CANNABIS PARA TODOS!
CANNABIS PARA TODOS!
Abertas as portas da percepção; escancaradas as janelas d'alma; quimicamente modificado o hipotálamo… Cannabis! Nada melhor para rir e esquecer. Entre tantos ópios e ódios, antes a fumaça benfazeja do Olvido. É preciso ficar bem. Isto ou se matar respirando monóxido. Sim, melhor se inspirar com cânhamo em brasa! Fazer arder ganja ultrasseleccionada! Maconha, a boa e velha maconha. Desdenho os charutos dos que têm dinheiro para queimar. Não me permito a sofisticação d'um doze anos que me exige uma vida careta de engravatado três-por-quatro… Eu quero é barato. Fumo besta para dizer besteira. Assim, eu sou o cara! Eu me garanto! Quem disse que a felicidade se compra a prestações?
Acho que não era d'essas coisas que devia estar falando… Esse preâmbulo poético-mas-porraloca meio a Bukowisk ou coisa que o valha não estava no plano do texto. Por que mesmo estou escrevendo sobre isso? Sim! Acabo de me lembrar: Era para ser uma crônica séria sobre a notícia da semana: ANVISA LIBERA CANNABIS PARA USO MEDICINAL. Porém -- e sempre há poréns quando se trata de canabinoides -- apesar da regulamentação do uso de derivados da cannabis na fórmula de medicamentos, o plantio da erva danada continua proibido em todo o território nacional.
Especialistas advertem que, apesar de ser um inegável avanço a presente regulamentação, o facto é que tais medicamentos serão inacessíveis para a grande maioria de brasileiros por um detalhe importante: Sem plantio legal, a importação far-se-á obrigatória… E importado com taxações proibitivas, diga-se de passagem. Não, amiguinhos, não vai bastar uma receita médica para adquirir canabinoides em remédios controlados. Os homens pensaram n'isso. Aquela depressão crônica diagnosticada há anos não poderá ser controlada, mesmo com a indicação de seu psiquiatra, com os medicamentos contendo os canabinoides ora disponíveis, porque provavelmente Vossa Mercê não terá como manter o seu vício, digo, tratamento. Sim, porque nossas autoridades aparentemente continuam não vendo depressão como doença e tampouco cannabis como remédio. Cannabis apenas para ricos, simples assim.
Inútil talvez repetir que já se esperava por isso. Afinal, ter uma parcela de sua população economicamente activa fazendo uso medicinal e/ou recreacional de maconha parece ser um privilégio (mais um!) de cidadãos bem-nascidos em países ricos. Parece que somos pobres demais para nos darmos ao luxo de ter alguns milhares de dependentes químicos -- seja por saúde; seja por lazer -- que possam ter a opção de enfrentar uma página em branco com a mente aberta por fumo. Precisa de maconha para escrever? Faça sucesso antes e vá para a Califórnia fumar! Nada de levantar fumaça n'um país da periferia do Capitalismo que mal consegue se enquadrar na economia de mercado. Aos olhos do resto do mundo, nós brasileiros somos mal formados, pouco produtivos, relativizamos o sucesso e não incensamos líderes oligarcas. Somos um povo absurdo e contraditório que faz leis para inglês ver enquanto impõe Ordem Social por exclusão.
Por mais que se argumente que a cannabis medicinal seja a porta de entrada para a legalização da maconha, nada nos faz supor que esta, quando e se vier, não será limitada apenas aos mais ricos. Será que apenas endinheirados precisam de viajar sem sair do lugar? Será que se entorpecer não pode ser considerado um direito individual tão básico quanto ir-e-vir? Ser livre é uma condição que se expressa também com a possibilidade de tomar decisões questionáveis, desde que não interfiram no bem estar de quem está ao redor. Se eu, ao consumir canabinoides, medicinal ou recreacionalmente, não faço mal a ninguém além de mim mesmo, como posso aceitar a interferência da sociedade n'uma decisão de foro pessoal?
O triste, é que todos sabemos a resposta. Maconheiros, somos seres alternativos semelhantes aos ameríndios do período colonial, isto é, resistentes ao trabalho que nos integra à sociedade de consumo. Mais do que tolerar modos de vida diversos ao estabelecido, querem tornar a cannabis legal item de consumo de luxo e continuar marginalizando quem a planta e usa frequentemente. Esse formato parece ser o que se apresenta para a legalização… Logo, nada de maconha para quem não tem (muito) dinheiro:
-- "No money, no honey, baby!"
Belo Horizonte -10 12 2019