Toranja Natalina

Toranja Natalina





Poucas luzinhas de natal esse ano. Comecei a beliscar o bairro onde moro há 20 verões exatos, era um festival de decoração natalina. Hoje…

Fazendo um link, vamos a outro poema do Ron Padgett, embora eu continue incerto de sua autoria.

"Fica tão escuro
Mesmo quando acendo a luz
Fica tão brilhante
As flores se curvam ao sol
Lembra-se do leão?
Tão veloz e forte
Ele não tem mestre enquanto seu mestre dorme
E tudo que seu mestre faz é dormir”

Outro dia um anônimo escreveu assim: se você não se sente cansado mentalmente nesse período, então esteve fora do planeta em 2019.

Seja lá quem for, colocou palavras em mi boca. Aliás, exceto para murmurar que sinto frio ou calor, fome ou sono, ando achando bem cansativo e talvez despropositado verbalizar o que quer que seja. Poderia sacar como pertinente desculpa a remodelação cósmica, também no nível neurolinguístico. Porém, fica a sensação esdrúxula e através de uma analogia barata seria como um feirante experiente que, a despeito do seu conhecimento de repolhos e cajás, um belo dia olhasse para aquilo e exclamasse: "Tudo esquisito, inédito, louco, estranho”. As aspas são um gracejo particular. Bem provável que seja uma fase, pois não há mais jogo de espera.

Revisando o passado recente constato sem emoção uma mudança na compreensão das coisas todas, não estou dizendo melhor ou pior, abrangente decerto, mas apenas algo como a consciência ter chegado num determinado patamar, ou deveria expressar cimo?

Falando nisso, em 1965 ocorreu "Meeting at Summit” - (Benny Goodman), veja os convidados: Leonard Bernstein, Aaron Copland, Morton Gould, Igor Stravinsky. O título do "encontro” me chamou a atenção. Sem falsa modéstia. Gente grande não precisa disso. Feito a fala daquele médico que fez a primeira operação num coração humano, Dr. Alfred Blalock: às vezes é preciso ser arrogante para realizar certas tarefas. “Nolitangere” – não toquem, eis o que se dizia em 1943 - o coração não pode ser operado. Quanta água não passou debaixo dessa ponte. No presente já se comenta abertamente que o coração divino fala através do coração humano.

A gente vai jogando coisas nessa página na tentativa de fugir um pouco da gosma das discussões que brotam por aí. Credo. Dado instante, só de vislumbrá-las é possível sentir o QI diminuindo. Ora, mesmo sem ser um Einstein não abro mão de continuar tentando permanecer no volante do meu próprio fluxo, ser a âncora do que almejo e o cartão de agradecimento pela continuidade da jornada. Ainda que, também, esperneando um dia ou outro.

Teria manifestado a senhora Sidonie Gabrielle, suponho que no primeiro quartel do século XX, ser essa a perigosa hora lúcida, onde não mais espera-se o fim, mas um pouquinho de sorte, um pequeno milagre banal, que como um elo cintilante irá remendar o colar dos meus dias.

Ah…, o talento.

Talvez uns três anos atrás, num grato acaso, descobri Jack Conte e Nataly Dawn, artistas honestos - e esse é um fator crucial - que desde 2008 desenvolvem com o tempero deles “VideoSongs”, todos munidos de dois parâmetros bem definidos: 1. O que se vê é o que se ouve, sem playback de instrumentos ou voz. 2. Se pode ser ouvido, em algum momento pode ser visto - ali não existem sons ocultos. A versão deles de "Killing Me Softly” é arrasadora, na falta de uma palavra melhor nesse instante. Aliás, com outra palavra ouso definir a parte do repertório que comigo ressoa: Feliz. Tão feliz quanto essa época e o novo algoritmo: Fonte-enquanto-Eu, uma experiência muito real e palpável para grande número de pessoas. Quanto ao Jack e a Nataly, sabe-se lá porque cargas d’água resolveram batizar o duo com uma derivação do vocábulo francês "pamplemousse", que significa toranja.

Acho que já falei demais, mas escrever é o que, afinal? Talvez o Bardo estivesse de brincadeira quando propôs: "Dê a todas pessoas seus ouvidos. Mas a poucos a sua voz."

(Foto: Killing Me Softly - Roberta Flack - Pomplamoose)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 10/12/2019
Reeditado em 19/02/2020
Código do texto: T6815847
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