Mendigo, digo, meu amigo

Juca, surrado, trôpego, para diante a mesa,

E sussurra: "Alguém me ajuda?

Quem poderia me comprar um salgado?

É que minha barriga tá vazia...

Serve também um copo raso com água ou cerveja:

É que minha boca, além de seca, tá rachada."

Ouve a resposta bruta, todavia:

- Tem não. Suma senão te dou um murro na cara... vai, vaza! Se afaste!

Juca mostra a triste face, mas persiste,

Noutro murmúrio, ainda mais humilhado:

"Então, me arruma um cigarro?

Ou um dedo de cachaça: é que sinto muita dor e..."

Não teve tempo, porém, de terminar o clamor;

Houve a resposta abrupta:

- Não tenho nada a ver com sua desgraça, filho da puta!

E o empurra... e o chuta... e o rechaça...

Juca, coitado, tá todo alquebrado:

Levou uma surra, e não foi leve!

E ele se leva embora, de cabeça baixa, feito um burro enxotado pelo algoz,

A mão no olho disforme, em forma de sentido pra poder enxergar,

Sentindo seus passos indo de mal a pior, sem sorriso, sem voz,

Sem rumo, nem amigo, nem fé, sem sentido nem um lar...

Embora ninguém tenha judiado de Juca no bar

Seu infortúnio foi fruto da maldade doutro lugar...

Mas o que esperar de um lugar profano e vulgar?

Então, quem machucou Juca?

Alguém viu, alguém sabe?

Isso é o que mais machuca:

Saber que ninguém se importa.

Um idiota disse pra ele, preocupado:

"Juca, vá vê se Deus não tá ocupado...

Sem sombra de dúvidas Ele abre:

O Senhor não a de te bater a porta..."

Juca, suado, roto, para diante da igreja,

E se assusta: "não pode entrar de bermuda?"

Quem poderia ter adivinhado?

É que ele não sabia...

Serve como exceção quem vive em extrema pobreza?

É que ele dorme debaixo de uma ponte rachada.

Ouve a resposta bruta, todavia:

- Pode não. Aqui não entra sem-teto; vaza!

Juca mostra uma cara triste, e insiste,

Num lamento ainda mais desolado:

"Ah, se eu tivesse um carro...

Ou mesmo uma pequena casa:

E isso me causa tanta dor;

Só queria que o senhor me abrisse as portas!"

E como resposta:

- Não posso fazer nada.

São as regras da Casa do Senhor:

Sem dízimo nem oferta, sem porta aberta!

Obstinado, porém, Juca tenta entrar à força, atrás de 'sua ajuda'.

Do seu Milagre!

Mas o guarda lhe bate à porta,

e o empurra, e o chuta, e o enxota

E o esmurra até à calçada, numa luta mais que injusta;

Covarde! E o teria dizimado ali mesmo, não fosse manchar a fachada da casa do Senhor Malafaia...

Esse infortúnio Juca me contou no bar

quando apareceu diante da minha mesa

Aturdido, pedindo ajuda, com o olhar perdido...

Sentindo dor, solidão e tristeza.

Com fome, sede, com frio, e ferido -

e eu o convidei pra se juntar comigo.

"É no fiado; não tenho dinheiro, mas peça lá um cigarro;

Pegue também um copo descartável

E venha partilhar do meu vinho..."

Ele abriu um sorriso sofrido e me chamou amigo -

logo a mim que me sentia tão sozinho...

...a despeito dos livros, likes, Bach, lar, celular, bar...

Jeivson Souza
Enviado por Jeivson Souza em 10/12/2019
Código do texto: T6815202
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