Ramil, Joyce, Pelotas, Dublin & Feira do Livro*

Eu já tinha lido esse nome, James Joiyce, mas não sabia ao certo se era cantor, ou ator, ou escritor. Até que em 2015, a Feira do Livro de Pelotas teria o Vitor Ramil (compositor, cantor, músico, autor... não necessariamente nessa ordem) como patrono e, o professor Luís Rubira (filósofo da UFPel) como orador, e então fiquei melhor informado sobre Joyce.

Não lembro exatamente quando foi a primeira vez que estive na Feira do Livro de Pelotas. Mas, com certeza desde 1996, quando estudava no Lourdinha, freqüento o evento literário mais importante da cidade, e adquiro um livro, pela tradição no mais. Além disso, sempre que posso, vou à abertura da Feira, para ouvir o orador e o patrono discursarem.

Portando, em 2015, fui à Praça Coronel Pedro Osório ver e ouvir os homenageados darem o ponta-pé inicial com seus discursos. Nessa ocasião o Vitor Ramil contou como era a sua relação com a Feira, recordou de fatos literários, e refletiu sobre a intimidade que tem com os livros. E, foi aí, que o James Joyce entrou na história. Ramil confidenciou que foi influenciado quando da criação do livro Satolep, pelo Ulisses do autor irlandês.

James Joyce nasceu na Irlanda, em 1882 e morreu em Zurique, em 1941. Estudou Letras na Universidade de Dublin, capital de seu país, e cenário recorrente – senão exclusivo – de sua literatura. Sua obra mais importante é Ulisses, que influenciou Ramil.

Joyce fazia de Dublin uma referência constante nos seus escritos. E apesar de viajar muito, mantinha uma ligação afetiva estreita com sua terra natal, assim como Ramil mantém com Satolep. Inclusive, em certo momento da vida decidiu fazer de Pelotas, além de epicentro de sua arte, morada definitiva. Como o poeta João da Cunha Vargas profetizou nos últimos versos de “deixando o pago”, musicados por Ramil, “eu vou voltar pra querência lugar onde fui parido”. Pois Vitor voltou, não antes de ter “alçado a perna no pingo e saído sem rumo certo”, para a Pelotas “centro de uma outra história”.

Pois então, desde 2015, quando Ramil mostrou sua ligação com Joyce – Pelotas com Dublin –, e o vínculo com Ulisses, estou curioso sobre esta obra. Outro dia vi um anúncio do Sebo Icária (da D. Pedro II), livros que haviam chegado, entre eles: Ulisses. Na hora mandei um zap e reservei a obra. Agora, tenho mais dois livros na fila da leitura: Ulisses e Satolep.

Pós-Scriptum, só para registrar, para não ficar alheio ao trabalho de Joyce, outro dia li um conto dele, Eveline, cuja resenha segue a seguir.

Daniel Lemos, professor (sócio do CPERS e do SIMP e membro do Conselho Editorial da Revista Crítica Marxista)

JOYCE, James. Dublinenses. São Paulo: Siliciano, 1993. 2ªed. Tradução de José Roberto O’shea.

EVELINE

No conto EVELINE, de Joice, a própria personagem que dá nome texto é a protagonista, uma moça de 19 anos, que vive com o pai e alguns irmãos em uma casa pequena e escura. Ela vive a dúvida de fugir de casa com Frank, o marinheiro que ela conhece em uma rua que freqüentava. Frank tem uma casa em Buenos Aires.

Outro personagem de destaque é o pai de Eveline, com quem ela mantém uma relação difícil, principalmente pelo drama da falta de dinheiro – embora ela deixe todo seu salário de sete shillings para as despesas da casa – e, também por ser a responsável pelo cuidado com os irmãos mais novos. O outro irmão, “Harry, que está quase sempre ausente”, e um terceiro irmão que ela menciona é Ernest, que já morreu, assim como a mãe. Outros personagens mencionados no conto são os vizinhos: o pequeno Keogh, as famílias Devine, Water, Dunns Miss Gavan e o sujeito que mora no fim da rua.

Estes personagens são observados por Eveline Hill da janela de seu quarto, que fica na casa pequena e escura em que habita com sua família. Que constitui um dos espaços em que o conto se desenvolve ao lado da estação de North Wall, provavelmente em Dublin – terra natal de Joice e cenário predominante de sua literatura.

O conto dura o tempo em que a personagem Eveline está em seu quarto pensando sobre fugir, e o momento em que ela está na estação de embarque e desiste de partir. O narrador em terceira pessoa pensa pela personagem, e parece viver os seus sentimentos e, principalmente as angústias.

Na história narrada, Eveline contempla da janela de seu quarto a rua em que mora, enquanto está prestes a sair de casa. Pensa em fugir com alguém, mais tarde é informado que seria com Frank, para um país distante. Eveline pondera sobre a vida difícil, pesada, que leva em função dos conflitos com o pai e os cuidados com os irmãos pequenos, que estão sob sua responsabilidade. Porém, apesar de considerar sua vida difícil, esta opinião é relativizada quando está prestes a largar tudo: “não considerava a vida que levava de todo indesejável”. Nesse trecho quem fala é o narrador, como se estivesse lendo o pensamento de Eveline, como se repete ao longo de todo o conto.

A intenção de partir, que está no desejo de Eveline, desperta quando ela conhece Frank, “um homem bom, amoroso e viril”, marinheiro. Ele ia buscá-la em seu trabalho, para acompanhá-la até sua casa. Enfim, começaram um namoro, mas, quando o pai dela soube não concordou, a princípio por Frank ser marinheiro; “conheço esse tipo de gente”. Então, este lhe fez a proposta de irem morar na casa que possui em Buenos Aires.

Ao se aproximar da hora de partir, Eveline rememora os momentos felizes que viveu com o pai e a mãe, quando esta ainda vivia. Ela faz uma reflexão sobre o fato do pai estar envelhecendo e que sentirá falta dela quando partir. Eveline tem duas cartas “no colo”, uma para o pai e a outra para o irmão.

Quando a hora de partir se aproxima, Eveline recorda a promessa que fez a mãe “de manter o lar unido”. Lembrança realçada pela presença de um realejo que tocava uma canção familiar. Lembrou da ocasião da morte da mãe e da “vida deplorável que levou”. “Uma vida de sacrifícios banais que a levou à loucura”.

Apesar das lembranças das promessas e responsabilidades, Eveline decide que deve fugir para ser feliz. “Tinha o direito de ser feliz”. Frank seria seu salvador e, talvez até lhe desse amor. Mas, primeiro a liberdade.

Na estação de North Wall, no momento do embarque no navio, com as passagens já compradas, Eveline volta a ter dúvidas e certa insegurança sobre o caminho que escolheu. “Pede a Deus que lhe guiasse e lhe apontasse o caminho”. Eveline pondera se poderia voltar atrás em sua decisão, depois das coisas que Frank fez por ela. Demonstra suas incertezas. A aflição que sente lhe causa náuseas. Reza muito.

Eveline não acompanha Frank na viagem. Permanece na estação. “Sem amor, saudade ou gratidão”.

Crônica publicada no site "Outras Vozes. Coletivo. Livre. Plural." em 30 de junho de 2019.