EU, MEU PAI MORTO E O PÉ DE LIMÃO GALETO

Acabei de chegar, papai tinha morrido, estavam colocando ele dentro de um saco preto, e fechavam um zip, dois homens seguraram em cada lado e levaram escada a baixo, deu um nó no meu coração, uma vontade de chorar, papai nunca mais ia voltar para casa, ele ia embora para sempre, fui atrás dele, para o IML, pois papai tinha falecido de uma hora para outra, depois do almoço de sábado, e por isso tinha quem ser feito uma necropsia, para controle do estado e posterior atestado da morte. Passei a tarde inteira sentado no IML sem nenhuma notícia, de ninguém, não sabia o quem fazer, para quem apelar e a quem pedir socorro, a morte não tem retorno, não tem explicação e não tem solução, morreu morreu. Lá pelas cinco e meia da tarde o médico manda me chamar, quando entrei na sala encontrei um homem cadaverico, com uma péssima aparência, pensei, só um médico desse para ficar abrindo defuntos o dia todo, ele me perguntou se papai estava doente, eu falei que sim, que ele tinha câncer, mostrando os exames, ele viu tudo, perguntou se eu queria que ele fizesse a autópsia, eu conhecendo papai falei que não, que não tinha nada para se fazer, e ele liberou o corpo para o enterro e deu a certidão de óbito. Papai seguiu para a funerária ternura e as oito horas já estávamos lá, para o velório. No outro dia as oito horas da manhã cheguei na funerária, papai ia se enterrar ainda pela manhã, no meio dia, ou perto disso. Fui ao caixão falar com ele, fazer uma oração, pedir a Deus por ele, quando estava olhando para ele, só eu e ele, sinto a presença de outra pessoa ao lado, olho meio que de lado para ver quem era, e num era que era o papai, ao meu lado, olhando para ele mesmo, morto ali um Ramalho e em pé olhando outro Ramalho, cocei os olhos para ver de novo, e ele continuava lá, pensei com meus botões o que o meu primo Renato falava_--na nossa família ou é viado ou é doido, como não sou viado achei que era doido mesmo, estava ali ao lado do meu pai morto com meu pai vivo ao lado. Tentei despistar, sair fora, ele disse_--pra onde você vai Frederico? Olha, Frederico só quem me chamava era ele é mamãe, era ele sim, fiquei tonto, assustado, ele voltou a falar_-- fique calmo, vamos ali fora, precisso conversar com você. Notei que ninguém via papai, somente eu, e saímos andando, ele na frente e eu atrás, ele estava de paletó, não o mesmo do enterro, era o paletó tipo o que ele usava para trabalhar, segui papai até o estacionamento da funerária, ele parou em frente a uma rural, igualzinha a dele, aquela mesma que fui buscar na J.Macedo, zerinha da Silva, verde e branca, entrei dentro e a chave tava na ignição, ele entrou do outro lado e disse_--vamos, pode ir em frente. Eu perguntei para onde, ele disse siga em frente, foi o que fiz, segui em frente, e quando menos esperei já estava na Br 116, no rumo da Mombaça, local onde ele mais gostava de ir, ele não falava nada, eu só dirigia calado, até ele dizer_--vamos parar no triângulo, para tomarmos café, achei estranho, pois papai não bebia café, mais parei. Quando já ia descendo ele me falou_-- olha Frederico, eu sei que morri, que não devia estar aqui, é que tive uma bênção divina, o último desejo, e Deus me deu um dia de morto, o dia de morto é uma despedida da vida, como despedida de solteiro, digamos que fui agraciado pelo Pai eterno com esse dia, e eu pedi para passar o dia com você, depois eu vou embora é você fica livre de mim, rindo..... Quando chegamos ele padiu um café, e o garçom trouxe uma cerveja, uma cerveja Brahma, quis reclamar e ele fez com a mão um gesto contrário a reclamação, e falou_-- olha, no céu existe umas mormazinhas a se cumprir, e bebe cerveja não pode, então peço café, mais como esse garçom ja me conhece faz tempo, e ele como você sabe que não bebo café, ele traz uma cerveja. Quando papai terminou de beber a cerveja, ele disse sorrindo_-- olha, não lhes ofereci cerveja porque você está dirigindo o carro, e pode levar uma multa, e não tenho como pagar lá de cima, rindo......Quando entrei de novo na rural tinha um bode lá atrás, era um bode imenso, com as orelhas imensas, e tinha um cheiro horrível, o carro ficou insuportável. Ele falou_-- tenho que levar esse bode que o general Vica me presenteou, para melhorar o rebanho lá da minha Fazenda. Seguimos o caminho, e paramos em todos os lugares que costumeiramente paravamos, Quixadá, Quixeramobim, Senador e Mombaça, em todos os lugares ele se encontrava com velhos amigos, ficavam por horas conversando, rindo das histórias. Até que enfim chegamos no cangati, ele mandou eu parar na bodega do Chico, ,o Chico já tinha morrido fazem mais de vinte anos, mais ele estava lá, ,com o velho óculo fundo de garrafa, abraçou papai, falou comigo e abriu uma cerveja quente, o copo era só espuma, papai bebia como se fosse bem geladinha, olhou para mim, deu uma risada e perguntou _-- quer um pouquinho? Agora você já pode, rindo novamente, pois ele sabia que eu não ia beber cerveja quente. Quando entramos no carro de novo, tinha uma muda de limão galego, ele me falou que foi do sítio do doutor Varter Benevides, que ele ia plantar lá no sítio Gerônimo, e assim fomos até lá. Ele pediu ao seu António Inácio, outro que ja tinha falecido faz tempo para levar o bode até as cabras, e que cavasse uma cova para ele plantar o pé de limão, pedi para ele bater uma foto dele plantando o pé de limão,para depois ter uma prova quando fosse contar aquela história, coloquei o celular no modo automático e bati uma foto minha com ele é o seu António Inácio, quando ele estava enterrando o limão no chão, eu peguei a pa para jogar terra na cova, e nesse exato momento eu fui arremessado para o cemitério onde ele estava sendo enterrado, e eu estava jogando uma pa de areia no túmulo do meu pai. O enterro acabou e algumas pessoas perguntaram onde eu estava, que tinha desaparecido do velório, desconvecei, falei que não estava passando bem e fui embora. Quando cheguei em casa, me lembrei da foto, e rapidamente fui vê-la, pra minha surpresa, na foto só tinha eu e um pé de limao galeto.

Fred Coelho
Enviado por Fred Coelho em 08/12/2019
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