Operário

Mais um dia ensolarado morre

E o operário, cansado de fábrica,

Aperta o passo, corre pra consumir um cigarro,

Um café, um caldo de cana, um salgado -

quem sabe até tomar um porre no bar ao lado.

E lá sentado, ele descansa de ser máquina...

Mal morde, porém, o pastel

E logo se engasga com a lembrança cruel

Das contas atrasadas - de luz, água, aluguel

E do fiado na quitanda de Seu Zé...

Que amanhã serão quitados, se Deus quiser!

Tantas coisas lhe remoem o peito:

Além do escasso dinheiro,

O fracasso de não ter virado engenheiro,

Como seu pai pretendia

Embora tenha herdado, a respeito da valentia,

A alcunha de "pião"

No entanto, a despeito da pouca instrução,

Aprendera a empunhar com tanta maestria a colher de pedreiro

E se adaptado a qualquer ofício, fácil ou difícil... por falta de opção.

(E sente orgulho disso!)

Se lhe contorce na barriga a lembrança intragável de estar desempregado

E torce todo dia, o dia inteiro, pra não ser demitido por redução de quadro,

Com a mesma intensidade que torce pelo time do coração

Enquanto a garganta tosse a pinga, o EcoSport cruza a estrada

Logo em seguida, o Gol dos sonhos, despertando sua paixão

Desde a infância por carros, cujas marcas conhece de cor e placa.

Os calos nas mãos lhe devolvem à realidade -

Logo, logo terá condições de comprar sua velha Monark...

Pingo a pingo, as moedas enchem a gaveta do vendeiro;

Os bêbados emborcam o aguardente,

Fumam seus cigarros,

Contam suas ladainhas,

Sorriem sob o brilho inebriante da lua e da caninha.

Com os passos estreitos, nas ruas largas e vazias da cidade grande,

O homem caminha, pensando alto, relaxado, sob o efeito da cana,

Levemente embriagado, em direção à sua casa, cama...

E se segura na fé de que o amanhã será mais tragável:

É dia de receber o mísero e suado salário...

Pagar as contas de casa

Comprar um litro de cachaça

O bujão de gás, a mistura, feijão, cigarro

Quitar os fiados de Seu Zé

E os agiotas, e o que mais tiver

Porque num gosto de tá devendo a seu ninguém!

E, se der, se sobrar algum vintém,

Vou é pro cabaré... Tô errado?!

Porque ninguém é de ferro, eu acho.

"Tá certíssimo, caba macho!

Se Deus quiser!"

Mas não sobrou um trocado sequer...

Pelo contrário, faltou - e não foi falta de fé...

Jeivson Souza
Enviado por Jeivson Souza em 08/12/2019
Código do texto: T6813844
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