Ainda na batida da alfaia
A política pública da Cultura, na Paraíba, acertou em cheio, ao se voltar mais para as atividades culturais interioranas. E foi assim que aconteceu o insight ou a revelação, até de ordem mística, de se concentrarem atenções especiais ao resgate e à valorização das culturas indígena, cigana e quilombola. Bateu-se o bombo e pronto! E tanto faz bater o bombo como o zabumba dos quilombolas. Dessas culturas, a mais nômade é a cigana que percorreu terras pelo mundo inteiro, durante séculos e séculos; a que menos andou foi a cultura indígena, a nativa, que aqui já se encontrava no seu berço, quando os portugueses disseram descobrir o Brasil, gritando “terra à vista”. Enfim, no meio, está a belíssima cultura quilombola que atravessou o Atlântico, vindo para cá, da continental e imensa África, em barcos lusitanos de comerciantes escravocratas.
Marcando na História, o Governo do Estado que, no Dia do Cigano, já tinha realizado o Festival da Cultura Cigana, em Sousa, preparou, minunciosamente, numa semana comemorativa da Consciência Negra, do dia 19 a 24 de novembro, o I Festival da Cultura Quilombola, no Quilombo Afro Caiana dos Crioulos, situado no Município de Alagoa Grande, terra do Rei do Ritmo, o afrodescendente Jackson do Pandeiro, quando ainda se comemora o seu Centenário, por Decreto do Governador João Azevêdo, até o final do corrente ano. Sim, ainda soa a batida da alfaia, quando e onde aprendi, vendo oficinas ensinando a crianças e a jovens quilombolas como se fazem instrumentos daquela cultura: alfaia, reco-reco, pandeiro, pífano, agogô, berimbau e et cetera. A alfaia é um instrumento no formato de um grande bombo, com dois couros, geralmente de bode, cuja singularidade é serem seus círculos, tendo no meio uma armação de madeira, amarrados por cordas de agave ou por grossos barbantes. A alfaia é fabricada de coisas que se encontram na comunidade quilombola, sem que se precise descer à cidade... Pois, ainda soa alto a batida da alfaia, que ritmou danças e cantos de 12 quilombos dos 41 existentes na Paraíba, os quais se reunirão, em 2020, no alto sertão paraibano, durante o II Festival da Cultura Quilombola, provavelmente em Santa Luzia, no Quilombo do Talhado, onde foi filmado Aruanda, de Linduarte Noronha, considerado expressão primeira, no Brasil, do Cinema Novo.
A alfaia inspira também concentração ao espírito, que chega a se envolver com os movimentos do corpo, arremessando-o ao transcendental, na prática do seu caráter religioso. Também é profano, mundano, enquanto marca as passadas de homens e de mulheres, por exemplo, na dança coreográfica da umbigada: aproximando os corpos, inicialmente com vênias pela inclinação da cabeça ou com a presença bem aproximada dos umbigos, definida pela pisada do pé; é, sobretudo, uma dança convidativa ao sensualismo. Há quem escreva: “Também era muito usado/ O dançar às umbigadas/ O belo landum chorado”, cujas dançarinas, em seus vestidos de chita coloridos, em gestos de um namoro platônico e poético, viviam a festa: “São sete meninas/ São sete fulô/ São sete umbigada/ Certeira qu’eu dou”; e para rimar, no caminho do amor! Além da alfaia, destacava-se o toque penetrante do agogô, vindo até aqui dos povos de Lunda.
Essas manifestações compõem, de modo popular, porém soberbo, nossa afrodescendência, sobre o que também desperta diferentes visões e renovadas impressões pelos que reconhecem o tamanho da presença da cultura africana, trazida pelas negras e pelos negros, à nossa cultura, histórica e atual, contudo, sempre em busca da sua identidade nacional. Esse mélange étnico é, mesmo com visibilidade e percepção, sem demarcações para se separar o que, hoje, seria afro e o que seria genuinamente brasileiro. Se houvesse, na realidade, tal separação, pouco restaria da cultura brasileira, propriamente dita. O Festival da Cultura Quilombola, nesse contexto, é um dos maiores acertos da nossa política pública da Cultura. Por isso, continuaremos a ouvir o toque da alfaia, sentindo que a profunda batida da alfaia acorda o espírito...
A política pública da Cultura, na Paraíba, acertou em cheio, ao se voltar mais para as atividades culturais interioranas. E foi assim que aconteceu o insight ou a revelação, até de ordem mística, de se concentrarem atenções especiais ao resgate e à valorização das culturas indígena, cigana e quilombola. Bateu-se o bombo e pronto! E tanto faz bater o bombo como o zabumba dos quilombolas. Dessas culturas, a mais nômade é a cigana que percorreu terras pelo mundo inteiro, durante séculos e séculos; a que menos andou foi a cultura indígena, a nativa, que aqui já se encontrava no seu berço, quando os portugueses disseram descobrir o Brasil, gritando “terra à vista”. Enfim, no meio, está a belíssima cultura quilombola que atravessou o Atlântico, vindo para cá, da continental e imensa África, em barcos lusitanos de comerciantes escravocratas.
Marcando na História, o Governo do Estado que, no Dia do Cigano, já tinha realizado o Festival da Cultura Cigana, em Sousa, preparou, minunciosamente, numa semana comemorativa da Consciência Negra, do dia 19 a 24 de novembro, o I Festival da Cultura Quilombola, no Quilombo Afro Caiana dos Crioulos, situado no Município de Alagoa Grande, terra do Rei do Ritmo, o afrodescendente Jackson do Pandeiro, quando ainda se comemora o seu Centenário, por Decreto do Governador João Azevêdo, até o final do corrente ano. Sim, ainda soa a batida da alfaia, quando e onde aprendi, vendo oficinas ensinando a crianças e a jovens quilombolas como se fazem instrumentos daquela cultura: alfaia, reco-reco, pandeiro, pífano, agogô, berimbau e et cetera. A alfaia é um instrumento no formato de um grande bombo, com dois couros, geralmente de bode, cuja singularidade é serem seus círculos, tendo no meio uma armação de madeira, amarrados por cordas de agave ou por grossos barbantes. A alfaia é fabricada de coisas que se encontram na comunidade quilombola, sem que se precise descer à cidade... Pois, ainda soa alto a batida da alfaia, que ritmou danças e cantos de 12 quilombos dos 41 existentes na Paraíba, os quais se reunirão, em 2020, no alto sertão paraibano, durante o II Festival da Cultura Quilombola, provavelmente em Santa Luzia, no Quilombo do Talhado, onde foi filmado Aruanda, de Linduarte Noronha, considerado expressão primeira, no Brasil, do Cinema Novo.
A alfaia inspira também concentração ao espírito, que chega a se envolver com os movimentos do corpo, arremessando-o ao transcendental, na prática do seu caráter religioso. Também é profano, mundano, enquanto marca as passadas de homens e de mulheres, por exemplo, na dança coreográfica da umbigada: aproximando os corpos, inicialmente com vênias pela inclinação da cabeça ou com a presença bem aproximada dos umbigos, definida pela pisada do pé; é, sobretudo, uma dança convidativa ao sensualismo. Há quem escreva: “Também era muito usado/ O dançar às umbigadas/ O belo landum chorado”, cujas dançarinas, em seus vestidos de chita coloridos, em gestos de um namoro platônico e poético, viviam a festa: “São sete meninas/ São sete fulô/ São sete umbigada/ Certeira qu’eu dou”; e para rimar, no caminho do amor! Além da alfaia, destacava-se o toque penetrante do agogô, vindo até aqui dos povos de Lunda.
Essas manifestações compõem, de modo popular, porém soberbo, nossa afrodescendência, sobre o que também desperta diferentes visões e renovadas impressões pelos que reconhecem o tamanho da presença da cultura africana, trazida pelas negras e pelos negros, à nossa cultura, histórica e atual, contudo, sempre em busca da sua identidade nacional. Esse mélange étnico é, mesmo com visibilidade e percepção, sem demarcações para se separar o que, hoje, seria afro e o que seria genuinamente brasileiro. Se houvesse, na realidade, tal separação, pouco restaria da cultura brasileira, propriamente dita. O Festival da Cultura Quilombola, nesse contexto, é um dos maiores acertos da nossa política pública da Cultura. Por isso, continuaremos a ouvir o toque da alfaia, sentindo que a profunda batida da alfaia acorda o espírito...