A gaveta
Hoje andei a procura de uma carta com a senha do meu cartão de cidadão, bendita carta, nunca precisei dela e quando preciso, ela acha de sumir. Mas que fazer? É sempre assim... Quando precisamos das coisas, elas simplesmente somem.
Mas, deixemos a carta de lado, o que me trouxe aqui foi uma reflexão, eu diria melhor, foi uma constatação. Quando abri a gaveta de documentos, só queria encontra uma coisa, mas o que achei foi parte da minha vida. Nunca tinha parado para pensar o quanto de nós cabe em uma gaveta. Tento manter os documentos mais usuais em uma pasta que possa sempre alcançar com facilidade, digo os mais usuais e não os mais importantes porque hoje descobri que todos são importantes.
Iniciei a procura: certidões de nascimento, batismo, casamento, uma vida inteira em três folhas de papel... Como é fascinante ler uma certidão, não acham? Li minha certidão de nascimento e pensei no meu pai, no que ele sentiu naquele momento. Na responsabilidade que teria a partir de então, tento me colocar no lugar dele e o que penso é no peso que aquele papel tem, é verdade que para muitos é mesmo só um papel, mas acredito que ele estava feliz! A data e hora do meu nascimento, o momento exato em que eu comecei a existir nesse mundo! Melhor não pensar mais nisso. Mas logo em seguida o que me aparece! A certidão de batismo, aí vêm elas, as questões religiosas e me pergunto: "Como a religião influenciou minha vida?", o que sei é que das três religiões com as quais convivi, Católica, Protestante e Umbandista, diria que aprendi a ser espiritualista. Uma vez, um rapaz mórmon me disse que não precisamos de muitas chaves para abrir as portas do céu, só precisamos da chave certa, mas quem tem a chave certa? Nessa trajetória não podia ser diferente, logo vem a minha certidão de casamento. Escreveria um livro só para falar dos dias dos meus casamentos, e digo já que seria engraçado, casei três vezes, com o mesmo marido. Calma! Foram os casamentos civil, católico e evangélico, somos de religiões diferentes. Sem luxo, sem grande ostentação, não havia dinheiro pra isso! Somente o essencial, como sempre em minha vida, o necessário para estar bem e ser feliz! Por isso, foi lindo, engraçado, perfeito!
Chega de certidões, agora é a vez dos certificados e diplomas, a vez de lembrar dos amigos, dos professores, da minha vida universitária! Costumo dizer que eu morava na Universidade e ia para casa dormir. A emoção das formaturas, foram duas, um sentimento único, seu, mas que você compartilha com toda a família. Sentimento de dever cumprido misturado com o um certo temor da vida adulta que te espera lá fora da universidade, que descobrir ser uma casa protetora e amorosa.
Bom, tudo muito lindo, mas não dava para ficar divagando, ainda precisava encontrar a carta. Vasculhei mais um pouco, abri envelopes, aqueles grandes pardos, um folheto de supermercado, "Por que guardei isso?", me perguntei. Umas notas fiscais, manuais.... E um envelope branco, abri e quem vejo? Minha avó sorrindo em uma foto, meu coração se encheu de alegria, logo em seguida um nó me subiu a garganta e, inevitavelmente, questionei Deus: "por que tens que levar embora as pessoas que amamos, por quê?" Um sentimento misto de amor e saudades tomou conta de mim. "Mas o que eu queria? Pensava que ela era eterna. Sou mesmo egoísta!" Voltei para os papeis, havia mais três envelopes, já não lembrava de nada daquilo, abri, li. Dois eram cartões de felicitações de casamento e um era da minha amiga, Sheyla, desejando-me boa viagem; aquele cartão aqueceu meu coração! Sorri e agradeci a Deus pelos amigos que me deu. Sempre penso que Deus deve rir de mim, devo ser uma filha teimosa e malcriada!
Desta vez não encontrei a carta que procurava, mas chorei, ri, lembrei! Aprendi uma coisa nova hoje, as gavetas não guardam somente coisas, elas contam também histórias.