TELEFONE SEM FIO

Lentamente subi as escadas, hora do almoço na empresa que me explora. Apenas corpo presente, mente vagante pelos filmes que ontem vi, domingando desacompanhado. Há coisas que lubrificam uma segunda-feira de trabalho, como a prosa acalorada dos peões de fábrica. Não falam de economia como os 'pseudoempresários' subordinados ao assistente da gerência - vou me sentar ao lado de dois -, falam da vizinha casada que pulou a cerca com a prima da Caroline, com sotaque musical e tom repentino de surpresa. Sinceramente, me inclino mais ao último assunto. Os bons modos minam uma boa boca recheada do pecado da fofoca. Mas lhe digo, ela está latente e gotejando das fissuras dos 'mais lapidados'. Sento próximo aos proseadores, arribo as orelhas e escuto atentamente. A dupla ao meu lado permanece falando sobre a alta do dólar, enquanto um novo assunto recebe adesão dentre o grupo de cinco operários a minha dianteira.

"...ão suporto ela também. Cê viu o que ela disse pro João, Cleide? - questiona a baixinha de corte chanel.

"Não, o que ela disse? Ouvi umas conversinhas, mas tô por fora..."

"Ela falo pro João: 'enquanto não me mandá embora, vai sê atestad em cima de atestad. Nesse muquifo eu não trabalho mais' "

"Eita, essa eu não tava sabendo" - entra Jonelson, acrescentando - "mas é sempre assim, passa nas experiência e bota as asinha de fora, queria vê se não tivesse passado ainda."

Não me contenho e solto um riso discreto, porém audível.

"Ah, lá. Até o sr. Jonathan riu haha" - Cleide solta, satisfeita.

O bate-papo segue, mas desta vez os integrantes falam com os olhos, como se estivessem buscando chamar minha atenção ao novo assunto. Eu, apesar de - supostamente - atento ao jornal, como os senhores sentados ao meu lado, não deixo de prestar atenção pelas rabeiras dos olhos.

"Cês ficaram sabendo da Gabi? Parece que deu mor quebra pau na linha delas."

"Não tô sabendo, menina. Como assim?"

"Aquela folgada da Cléssia só ficava conversando e passava duas horas no banheiro, a Gabi falou um monte..."

Nesse momento, percebo que meus arredores também estão prestando atenção ao diálogo animado entre uma lacuna e outra de sub assuntos desinteressantes, apesar de camuflados em rostos sisudos e olhares despretensiosos.

"...ambém que lá no setor financeiro, parece que vão corta umas três pessoas do setor."

"Como é que é? Quem disse isso?" - Questiona um dos senhores da minha lateral.

"Tá todo mundo comentando, o senhor não tá sabendo?"

"Eu sou do Financeiro e não estou sabendo?! Meu Deus!"

"Pois é, e parece que vai começar pela demissão de um tal de Roberto e..."

"ESPERA, SOU EU!"

"Eita... Acho que falei demais." - se avermelha a de corte chanel.

"EU DOU TODO O MEU SANGUE NESSA INDÚSTRIA PARA SER DISPENSADO ASSIM, COMO UM QUALQUER? NÃO, NEM PENSAR! VOU ATÉ LÁ AGORA TIRAR SATISFAÇÃO." - Diz Roberto, saindo acompanhado de seu colega e o jornal.

[...]

Algumas horas se passaram desde o almoço, e eu só queria ser uma mosquinha para escutar o que houve no Financeiro. Pelo papo que está rolando na produção, Roberto não seria 'demitido', mas sim, 'promovido', juntamente com as outras duas pessoas do Financeiro. Devido a catarse eclodida, Roberto e a senhora de chanel receberam justa causa.

Me veio um pensamento aleatório... 'se Klaus Zuberbuehler realmente estiver certo em sua teoria, o mundo atual estaria completamente elucidado.'

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Lâmpada de Porão
Enviado por Lâmpada de Porão em 06/12/2019
Reeditado em 06/12/2019
Código do texto: T6812085
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