O SONÂMBULO

Celina e Olímpio formam um desses poucos casais humildes, pacatos e felizes, em partes, como todos no mundo. Os dois discutem por motivos banais e coisas sérias, mas no fim, termina tudo bem. Ela é uma doméstica; ele, tipógrafo. Aparentemente, quem não o conhece, acha-o um tanto esquisito, pois de vez em quando fala alguma coisa sem muita lógica ou então esquece o que estava dizendo. Em resumo, parece mais um homem meio perturbado, psicologicamente, mas responsável e não cria inimizade com ninguém.

O casal Celina e Olímpio tinha cada um a sua respectiva doença intransmissível. Ela tinha mania de limpeza; ele, sonambulismo. Quando alguém chegava à casa deste casal, quem já o conhecia, tudo bem, não se importava mais. Porém, a primeira vez, a Celina logo olhava para os pés do recém-chegado e tinha vontade de pedir para a pessoa tirar os sapatos, chinelos, principalmente se fosse um dia chuvoso. Ah, em dia assim, ela ficava plantada na porta e nem mesmo o entregador de gás seria capaz de entrar com aquele botijão de 20 quilos nas costas. Deixava-o ali na porta, recebia o dinheiro e ia embora. Depois, se ela estivesse sozinha, obviamente, daria um jeito de arrastá-lo para o interior da sua casa que sempre tinha o piso brilhando e cheiroso.

Quanto ao sonambulismo do marido, ela não tem nem a vergonha de dizer o que fez durante uma crise desta doença. Certa ocasião ela pediu ao marido para afastar um enorme guarda-roupa e ele vivia sempre postergando. Até que certa noite, ela teve uma surpresa. De repente acordou e se deparou com o Olímpio arrastando aquele enorme móvel. Não pensou nem uma vez. Levantou, foi à área de serviço, pegou os apetrechos e começou a fazer a tão sonhada faxina atrás do gigante guarda-roupa. Terminado o serviço ainda teve o desplante de mandar o marido sonâmbulo colocá-lo no seu devido lugar. Não teve sucesso. Em pouco espaço de tempo o dito cujo despertara e, além de se negar a fazer o tal serviço, ainda ficou duvidando da fidelidade da mulher, alegando que outro homem havia feito aquele serviço, ao que ela respondeu:

- Ainda bem que você é um doente e faço votos que ao dizer esta asneira você esteja no auge do seu sonambulismo e amanhã não se lembrará de nada. Enquanto eu ficarei magoada por algum tempo, depois eu esqueço. Pois sei que não houve maldade nesta acusação descabida.Amanhã conversaremos melhor. E você terá que arrumar logo este enorme e pesado guarda-roupa. Se não o fizer, o vizinho estará logo aí. Brincadeirinha!

JOBOSCAN
Enviado por JOBOSCAN em 02/12/2019
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