Fala com o Professor
Fala com o Professor
Caro Sr. Stuart,
Obviamente a capacidade de memória do ser humano não é excessivamente grande, ao ponto do senhor lembrar de mim, dentre tantos outros, um aluno da sua turma de biologia anatômica do ano de 1957. Mesmo que eu tivesse sido um aluno exemplar. Para ser bem sincero, espero que o senhor não lembre.
Sentar em água; apagar a bombinha de giz e tomar um baita susto no fim; ser flagrado e fotografado dando uns “amassos” na professora de educação física; ser motivo de piada por cheirar mal naquela sexta feira, dia de prova... Eu aprontei e APRONTEI.
Foram bons tempos, e não nego que me divertir muito. Não falo com muitos dos meus colegas do tempo de escola. As meninas, aquelas que eu fazia de tudo para chamar atenção, me exibir, até mesmo colar um papel escrito “chute-me” atrás do senhor (É, fui eu), não ouço falar de nenhuma faz mais de quinze anos.
São tempos; os colegas passam, da mesma forma que nossos períodos. Temos escola e colegas de escola, faculdade e colegas de faculdade, trabalho e colegas de trabalho. Lembra do Lucas? Lucas Palmejani. Chamávamo-lo de LucaNerd. Sempre fechava todas as provas. Lembro-me bem do senhor falando enquanto olhava sorrindo para o garoto:
- Nunca irei esquecer alguém tão aplicado como você, meu jovem.
Então, ele trabalha comigo. Mas em outra área.
Quando saí da escola, na despedida dos professores, sabe quem distribuiu balões com água para serem arremessados no palco e atingir você e seus colegas? Numa altura dessa eu nem preciso dizer...
Tentei vestibular três vezes aqui na federal de Curitiba, até arrisquei uma na UFRGS. Só me dei mal nos testes. Na última, nem atingi a média prescrita e fui desclassificado do concurso, sem direito a shows estéricos. Meu pai desistiu de mim, acho. Me colocou para morar com minha tia Guida em São Paulo, e me matriculou na PUC. É particular, mas ele sempre foi bom de grana, por isto que a nossa antiga diretora da Escola Albert Einstein sempre pegava leve comigo.
Um período também muito divertido. Tantas mulheres lindas. “Patricinhas”, “filhinhas de papai”. Tantas que levei para cama. Tia Guida nunca entendeu o barulho vindo do meu quarto em certas noites. Festas... Muitas festas. Cada curso da universidade realizava-as em uma freqüência de duas por semana. Em cada uma, era uma garota mimada diferente. Paty, Simone, Marta, Megy, Raphaela, Andréa e Pâmela, Érica e Vanessa, Izadora e Laura, Bárbara e Ivete e Miranda...
Me formei em 7 anos e meio. Nem pensar, que estudaria às segundas e às sextas. Segunda, eu sempre estava de ressaca do fim de semana, e nas sextas era tempo de se preparar para os dois dias seguintes, dormia muito. No meu último semestre, precisei agüentar uma aula de uma disciplina aos sábados. Fazia meu trabalho de conclusão (quase precisei comprar o professor para passar) e esta cadeira no sábado. Sociologia-de-alguma-coisa.
Comecei a trabalhar cedo, graças a um fiel empregado do meu pai da empresa. Fui um substituto de um substituto de professor. Logo, ambos os que estavam na minha frente adoeceram. Apreço-me em dizer que não tiver nada haver com a história... Os meus alunos gostaram de mim. Diziam que eu era do tipo deles. O diretor revolveu me promover. Deu-me o lugar professor que o substituto que eu substituiria poderia vir a substituir. Avencei um degrau a mais.
Senti o orgulho da minha família pela primeira vez em mim.
Pena não ter durado muito. Me estressava com as conversas. O barulho me deixava com dor de cabeça. Não conseguia pensar, não conseguia lembrar da mais simples fórmula matemática. Quando eu errava alguma conta ou exercício, tendo em vista a algazarra que quase sempre se apresentava em minha sala de aula, meus estudantes me desrespeitavam, diziam que não era para eu estar lá, já que uma simples conta de divisão de frações, não conseguia resolver.
Fui demitido, por excesso de reclamações. As mesmas pessoas que me colocaram para dentro, me chutaram como a uma bola velha. Na época, tinha vinte e seis anos. Fiquei abalado e preocupado. Havia gostado de dar aula, mas a primeira experiência me deixou uma marca negra.
A minha vida virou uma bagunça depois disso. Me iludo, já era uma decepção e completamente fora de ordem. Mas o momento da minha demissão me serviu de tapa. Isso. Foi um grande tabefe na minha consciência.
Não era tarde para mudar, mas também não cedo. Já beirava os trinta e não tinha nenhum emprego fixo.
O restante não importa muito. Escreverei o recente.
Hoje, estou completando, daqui a exatamente uma semana, meu qüinquagésimo terceiro aniversário. Trabalho nos três expedientes do dia. Saio de casa às 6:50 da manhã e volto apenas às 22:15 da noite. Tenho duas horas para almoço e uma para lanche. Ainda ensino, se é que o senhor quer saber. Em quatro escolas, para ser mais exato. Uma particular, que conheço bem, a reformada Escola Pré-Universitária Albert Einstein, uma federal e duas estaduais. Só Deus sabe como consigo conciliar todos os meus horários. Precisaria me dividir em dois, se não conseguisse enrolar as pessoas certas.
Ontem fui espancado pelos irmãos Leirson. Bom... Eles estavam encapuzados, todos vestidos com preto, como ninjas marginais. Eu não tinha como saber que eram, mas deduzi. Os expulsei de sala por estarem fumando maconha no canto. Normalmente não me importo, até o fedor invadir fortemente minhas narinas. Eles ficaram realmente brabos. No mesmo dia arranharam meu carro.
Fumar maconha é bom comportamento, na visão de algumas escolas públicas. Melhor do que brigar bem no meio da explicação sobre matrizes ou até mesmo transar.
Ontem vi a um filme, não me recordo do nome. Era japonês. Quase chorei vento toda aquela disciplina. O professor entrava na sala, os alunos se levantavam em coro e ordem, o reverenciavam, depois voltavam a sentar. Deus do céu! Me perguntei se lá, os estudantes se comportam mesmo assim. Levantavam as mãos antes de se pronunciar, só saíam da sala se o responsável por ela permitisse, não conversavam nem cochichavam...
Que realidade diferente, não?
Hoje pela manhã, passava gelo na minha face, agora bem melhor, e lembrei dos velhos tempos. Lembrei do senhor, que sempre achei que iria odiar. Não era ódio realmente, me enfurecia sua capacidade de nos deixar bem, de sempre tentar ver as coisas de um lado bom e querer o melhor para os mais estúpidos alunos. Como EU. Resolvi lhe mandar estas palavras.
Não bem de desculpas porque o senhor sabe, e eu sei, que todo adolescente é igual. Sempre fazem bobagens, de baixo ou alto nível.
Não tenho certeza absoluta se enviarei isto para o endereço correto (peguei ele do antigo formulário do histórico de professores da Albert Einstein). Também não sei se o senhor ainda vive nesta Terra. Teria uns 90 anos, ou mais.
O objetivo disto é lhe dar os parabéns e dizer que o senhor foi o mais honrado professor com quem eu tive o prazer de aprender. Muito obrigado pelo duro ensinamento e pela extrema paciência. Agora, com meus quase 53 anos, não acho que serei tão bom mestre. Tão boa pessoa.
Obrigado e me desculpe!
Um Grande Abraço.
Mathew Perry Dantas