A CASA DO MEU AVÔ
Toda casa tem uma história para ser contada. E essa é a história da casa do meu avô. Foi construída em 1929, estilo de casa de polaco, mesmo: Sótão, áreas dos dois lados, telhado com grande inclinação. Cômodos grandes: Cozinha, sala de costura, dois quartos em baixo e dois no sótão, sala na frente e um porão com porta secreta que se tornou, mais tarde, o esconderijo preferido dos netos. Muito bem localizada num lugar alto, terreno amplo, à beira da estrada, com um veio de água pura e cristalina que nunca secou.
Mas são tantas as lembranças que parece que estou vendo, ainda hoje, cada cômodo da casa fervilhando de vida: a cozinha cheirando a comida da Vovó, fumegando no fogão de lenha - o relógio batendo 11 horas - mesa posta para o almoço. O lugar do Vovô, à mesa, ao lado da janela, donde se avistava a bela paisagem ao redor. A sala de costura onde o ruído da máquina de costura se misturava com o som do rádio. Minha tia transformando pedaços de tecido em elegantes trajes e até vestidos de noivas. O quarto do Vovô, donde eu via, à noite, pelas frestas da janela, recortes da luz dos faróis dos caminhões que passavam pela estrada. O quarto da Vovó com os quadros de santos, cheiro de leite de rosas, e que tinha, como guarda-roupa, o velho baú que trouxeram da Polônia, quando o casal veio tentar vida nova no Brasil.
Da janela desse quarto é que eu sondava o parreiral e me aventurava a roubar uns cachos de uva. A sala da frente, com o guarda-louça feito pelo meu tio, cheio de vidros de compota de juntar água na boca. O sótão, onde a tranqüilidade de dormir com a janela aberta e ser acordado pelos passarinhos ao amanhecer era uma coisa inesquecível.
Como era bom ficar vendo o movimento da estrada debruçado na janela o sótão! Que lugar gostoso de morar! Tinha cheiro de colchão de palha e cobertas de penas. Havia tanta coisa que eu não resistia em explorar cada canto da casa: velhos guardados do tempo em que o Vovô trabalhava na serraria, garrafas vazias para a cerveja caseira no Natal, mantimentos estocados na escada e até um pedaço de dínamo do papa-vento que o Vovô construiu para ter luz elétrica em casa.
Passei grande parte da minha infância nessa casa. Derrubei jerivá com a cetra, soltei o gato de pára-quedas do sótão, quase pus fogo na cerca, triturei milho para as galinhas, fiz vergão no braço com a cesta de compras, brinquei na bica d’água e me deliciei com as frutas do pomar, e com as coisas boas que a Vovó fazia: morango com açúcar, refresco de bicarbonato, capilé, e aquela comida tão gostosa servida à mesa nas panelas de ferro. E ela sempre dizia, ao aprontar a refeição: aproveitem o que tem... o que não tem, não tem.
O que é uma casa? Uma casa é o que ela guarda. Lembranças da vida de cada pessoa que viveu sob o seu teto. Da chuva no telhado, do vento nas cortinas. Da geada lá fora. Da janela embaçada pelo frio. Do cheiro da comida sendo preparado com carinho, no fogão de lenha. De tantos Natais em que a família se reuniu. Da expectativa da chegada de cada parente para a festa. Se ela existe ou se não existe mais, não importa. Ela está mais viva que nunca na minha lembrança. A casa do meu avô era tudo isso e muito mais... Tudo começou lá.