Sem papas na língua.
Eu tenho certa facilidade para dizer o que penso pras pessoas, mesmo que me sejam desconhecidas. Ontem de tarde fui à padaria comprar pão para tomar café, escolhi caminhar até a Mais Pão onde duas moças atenciosas trabalham no balcão, e durante o percurso, fui matutando, será que as vendedoras disputarão a vez para me servir?
Deixa-me explicar isso melhor, não sou do tipo esbelto e elegante, para compensar procuro ser educado e generoso; meus 20 anos já vão longe, então cultivo o espírito jovem e me esforço para ser simpático com todos. Dito isso, acho que fica fácil, agora, entenderem a reflexão que eu fazia antes de entrar na panificadora.
Pois bem, mal pisei no batente para adentrar a loja percebi, pelo olhar de uma e da outra, que elas me viram chegar e mantiveram a compostura, agiram como se eu fosse um freguês qualquer. O que não deixa de ser verdade. Fingi ignorar a indiferença das duas, mas, ao me aproximar do balcão livrei-me da fantasia e demonstrei que não tenho papas na língua, e disse tudo, de supetão mesmo, para afrontar as moças.
Gente, tendo em vista que o comércio está fraco e as lojas sem compradores, eu entrei supondo que vocês fossem ficar felizes de me verem aqui para gastar. Em vez da felicidade esperada, olha só o que eu encontro! Vocês, sequer me recepcionaram com um sorriso! Amparado na minha recatada inocência eu achava que fossem disputar no tapa a preferência de me atender, de alegrar o cliente; acreditava, inclusive, que fossem chegar ao ponto de puxar os cabelos uma da outra por minha causa. É verdade! Confesso que vinha mesmo preocupado de ter que separar as duas, no entanto encontro esse clima de fleuma e passividade, parecendo que eu nem estou aqui. É muita decepção isso! Conseguem perceber?
Tentem imaginar o sentimento de frustração que levarei de companhia na volta para casa!
Tudo bem, vai passar, disse, de mim para comigo mesmo, e alto, para que elas pudessem me ouvir.
E enquanto eu simulava querer estimular o ânimo malogrado, sabe o que foi que aconteceu após me ouvirem? Elas caíram numa risadaria incontrolável. É sério!
A Regina, que acatou meus pedidos, separou tudo sem parar de rir um minuto. Já a Ivani, que arrumava uma prateleira sob o balcão, sorria irrefreavelmente; viu quando eu paguei a conta, chamou por mim, e proferiu em agradecimento: “Seu Hélio, volte sempre!” E continuou contraindo os músculos da face por conta da alegria.
Antes de ir embora peguei minha sacola de pães e respondi em tom de ameaça: Eu volto mesmo! Não pensem que vocês se livrarão de mim assim tão facilmente, não, tá!