Diário de Bordo (o baile de Pachamama
Diario de Bordo (O baile de Pachamama)
Há quem diga que cheiro de mato é revigorante.
Sim, concordo com essa afirmação feita com entusiasmo pelos defensores da Natureza.
Contudo, para um sertanejo nascido nas terras quentes de Sergipe Del Rey, nada, nada mesmo, supera o cheiro sensual de terra molhada adentrando as narinas, quando a fértil Pachamama é lubrificada pela água da chuva, e permite que a acarinhemos com zelo e cuidado de amante apaixonado.
Pois foi bem isso o que veio se dar hoje nessas terras encantadas do reino de Pasárgada, que sofria uma estiagem que já durava mais de vinte longos dias, a exigir deste escriba o constante incorporamento do Espírito do prestimoso Ganimedes, e assim garantir sobrevida às jovens plantas aqui do reino.
No dia anterior eu já havia trabalhado um bocado. Tanto que nem senti quando fechei os olhos e só voltei a abri-los umas quatro horas depois, ainda meio atordoado. Tão cansado eu me sentia que prometi pra mim mesmo que tiraria essa quinta feira de folga.
(...)
Logo no começo da manhã veio a chuva; a princípio apenas uns pingos esparsos, coisa de pouca monta. Fiz o meu desjejum, juntei minhas tralhas e desci para tomar banho, dar uma olhada nos trabalhos já feito, e voltar pra minha tenda e ler alguma coisa.
Tomei o banho, e como faço sempre, peguei a enxada e comecei a trabalhar para me secar ao sabor da brisa fresca da manhã, num trecho de terreno próximo ao Cururupe. Não havia nem se passado dez minutos de trabalho, quando senti o tempo mudando e as primeiras vagas de uma chuva que se prenunciava farta começaram a cair.
Só foi o tempo de pegar as minhas roupas que eu havia estendido para secar e acelerar o passo até a casa e me abrigar da chuva. Ali fiquei a apreciar a chuva forte, sentindo o cheiro de terra molhada a me invadir as narinas, mais me parecendo um convite da deusa Pachamama para participar da sagrada dança na chuva.
Convite feito, convite aceito de pronto.
Peguei a enxada, mandei a pronessa feita as favas, e cai na chuva, a me embriagar no trabalho de moldar a terra como um escultor faz com o mármore da estátua que pretende produzir: com tato, zelo e cuidado.
Com pouco tempo de trabalho a argila começou a pesar nas minhas alpercatas franciscanas, as minhas preferidas, e este peso do barro foi a senha para que me livrasse delas, aproveitando para me integrar à Mãe Terra por inteiro, sem rebuços, sendo totalmente uno com ela.
Nesse ritual de acasalamento o tempo se tornou supérfluo, e quando dei por mim, já passava do meio dia, eu completamente embriagado de cheiro de terra molhada, com o suor a me empapar a pele...
(...)
É por vivências como esta de hoje, que tenho a certeza de que Pasárgada tem tantos encantos a me mostrar que mal acabo de descobrir um deles, logo um outro vem se apresentar.