Flamengo e o dólar
Ontem, após mais de três décadas, o Flamengo foi campeão da Copa Libertadores. Ganhou por 2x1 do competitivo River Plate, time argentino e, como tal, por essência catimbeiro. Aqui, em União dos Palmares, essa ocasião antecipou o Natal e o Carnaval. A festa foi grande e, como se percebe nas ruas periféricas e centrais da cidade, encontra-se em pleno fulgor. Isso porque a maioria dos palmarinos, como apontam as pesquisas do DataFofoca, é flamenguista, embora muitos nem saibam disso. Um vizinho meu, que o tinha como torcedor do Sport Recife desde sempre, ontem deu para soltar fogos e mostrar à vizinhança que estávamos todos errados quanto a sua preferência futebolística: sempre foi Flamengo e ainda mais ontem.
Logo cedo, por volta da penumbra, saiu à rua vestido com a camisa do time carioca como se vestisse um manto sagrado. E quem é louco de contestar? Eu, sendo palmeirense quase fanático, sei como a coisa funciona, ainda que não regulamentada. Não há dúvidas: o futebol é paixão universal e capaz de alegrar multidões de infelizes na vida, no amor, no jogo do bicho por dias e noites, ao fim dos quais todos voltamos à infelicidade cotidiana. Mas pelo menos com novo ânimo para encarar a vida "de frente", como dizem. É uma pena, porém, que sua efetividade limite-se a alguns campos da vida social e não tenha influência direta na diminuição do valor do dólar, por exemplo.
O Flamengo ganhou a Libertadores, mas o dólar continua em alta. Isso me faz crer que o Mercado sempre ganha, o que é um péssimo resultado para nós, consumidores, que pagamos a conta final. Somos campeões da América, mas nosso Real permanece desvalorizado em relação à moeda americana. Hoje US$ 1,00 vale R$ 4,20. Um absurdo. Ontem, durante a transmissão do jogo, muito torcedor rubro-negro gostaria de ter tomado uma ou várias Budweiser, Heineken, Stella... Porém, como o preço dessas bebidas e outras muitas é balizado pelo dólar americano, a mais em conta e de uns 300ml custava em torno de R$ 5,00. Assim, a maioria dos nossos colegas flamenguistas e afeitos a etílicos teve de migrar para bebidas mais em conta. Isso elevou o consumo de Skol e fez o preço das cachaças nacionais, na maior parte dos mercadinhos palmarino, inflar.
Ontem o Flamengo ganhou a Libertadores, mas a vida continua cara e cinza, a inflação um absurdo, o dólar nas alturas e nós — sobretudo consumidores — com poucos motivos para alegrar-se. Então, por que deveria censurar o torcedor que sai à rua vestido de Flamengo, com seu único real no bolso, aproxima-se de uma bodega e diz ao dono do boteco: "Me dá aí uma dose rubro-negra com mel"? Seria muito deselegante de minha parte censurá-lo, adverti-lo da cotação do dólar, da inflação e outras safadezas do Mercado. O recomendável, não o dos especialistas do câmbio, é aproximar-se desse ser alegre e compartilhar de sua alegria, e igualmente gastar nosso único real. A inflação, o dólar e a carestia do mundo que cobrem, no dia seguinte, no da ressaca, os juros devidos, pois a vida não pode ser só carestia e safadeza. Há de ser, nos intervalos, um gol de placa, ainda que em um domingo cinza e com o dólar nas alturas.