BICHO DE GOIABA É GOIABA (Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço. -- Rm 7:19)
Naquela tarde de domingo, ao pegar uma manga madura da fruteira, meus olhos capturaram algo inusitado: pequenos "bichos" se contorciam na polpa dourada. Fiquei surpreso, pois em minha mente simplória, apenas as goiabas eram suscetíveis a tais invasores. Com a fruta ainda em mãos, uma avalanche de reflexões inundou minha mente.
Lembrei-me de uma passagem bíblica que minha avó costumava citar: "Pelos frutos conhecereis a árvore". Jesus, em um de seus sermões, dizia que uma árvore boa não dá maus frutos, assim como um homem de caráter íntegro não age com maldade. Fiquei ali, parado, segurando a manga "bichada", pensando sobre a simplicidade desse ensinamento e como ele se aplica à nossa vida cotidiana.
Como professor de filosofia, muitas vezes me vi desafiado pelos alunos que se declaravam fervorosamente religiosos. Eles chegavam à sala de aula com uma aura de superioridade moral, como se suas crenças os tornassem imunes a qualquer falha de caráter. No entanto, eram frequentemente os mesmos que atrapalhavam as aulas, que não cumpriam com suas obrigações e que mais reivindicavam direitos sem assumir responsabilidades.
Observava-os, dia após dia, pregando amor ao próximo, mas destilando julgamentos aos que consideravam "pecadores". Era como se vissem o mundo em preto e branco, incapazes de compreender os diversos tons de cinza que compõem a complexidade humana. Justificavam-se rapidamente com exemplos bíblicos – Davi, Pedro, todos pecaram, mas foram grandes homens. O problema é que, enquanto eles se agarravam a esses exemplos, muitas vezes se esqueciam de um detalhe fundamental: o arrependimento sincero e a transformação que esses personagens viveram.
Certa vez, durante um debate acalorado sobre ética, um desses alunos proclamou: "Eu amo o pecador, mas detesto o pecado". A frase ficou suspensa no ar, pesada como chumbo. Olhei para ele e perguntei: "E como você separa o dançarino da dança?" O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Vi nos olhos dele a confusão de quem se depara com a própria contradição. Afinal, como amar alguém e detestar uma parte intrínseca de seu ser?
Naquele momento, voltei a pensar na minha manga bichada. Ela não deixava de ser uma manga por estar infectada. Seu valor não diminuía por conta de suas imperfeições. E não eram justamente essas imperfeições que a tornavam única, real, verdadeira? Percebi que todos nós somos como frutas em uma grande árvore da vida. Alguns aparentemente perfeitos por fora, outros visivelmente marcados. Mas quem pode julgar o sabor de um fruto sem antes prová-lo?
Quantas pessoas "bichadas" conhecemos por aí? Não no sentido literal, mas aquelas cujos defeitos não ficam aparentes à primeira vista. Elas parecem perfeitas, até que, de repente, mostram que por dentro estão tomadas por algo que as corrói. E, como essas frutas, essas pessoas podem estragar o ambiente ao seu redor, espalhando desconfiança, fanatismo, ódio disfarçado de moralidade.
Ao final daquela reflexão, guardei comigo uma lição preciosa: o verdadeiro caráter de uma pessoa não se revela em suas palavras pomposas ou em sua aparência imaculada. Ele se mostra nas pequenas ações, na compaixão genuína, na capacidade de reconhecer as próprias falhas e aceitar as dos outros.
Voltei para a cozinha com um novo olhar. Peguei a manga que havia deixado de lado e, com cuidado, removi as partes afetadas. O que restou era doce, suculento e perfeitamente imperfeito. Assim somos nós, pensei. Imperfeitos, às vezes "bichados", mas ainda capazes de oferecer doçura ao mundo. O segredo está em aceitar nossas próprias imperfeições e as dos outros, cultivando não apenas a aparência de bondade, mas seus verdadeiros frutos.
Afinal, a vida é como uma manga. Às vezes, por fora, tudo parece perfeito, mas, por dentro, podemos estar repletos de pequenos defeitos. O que importa, no fim, é o que decidimos fazer com isso. Vamos ignorar e deixar que os "bichos" nos consumam ou reconhecer o problema e tentar nos curar?
E você, caro leitor, que frutos tem colhido em sua jornada? Lembre-se: o que importa não é apenas a árvore que parecemos ser, mas os frutos que efetivamente produzimos.
Com base no texto apresentado, elabore respostas completas e detalhadas para as seguintes questões:
Qual a principal reflexão que o autor faz a partir da imagem da manga "bichada"?
Como o autor relaciona a parábola bíblica dos frutos com a hipocrisia que ele observa em algumas pessoas religiosas?
Qual a crítica do autor à visão maniqueísta de bem e mal, frequentemente encontrada em algumas interpretações religiosas?
Qual a importância da aceitação das próprias imperfeições e da compaixão pelos outros, segundo o autor?
Qual a mensagem central que o autor busca transmitir ao leitor por meio dessa narrativa?