A Estrada do Morro do Cemitério

“O tempo ainda vira as páginas do livro queimado. Lugar e tempo sempre na minha cabeça – trecho da música , SO FAR AWAY , (TÃO LONGE) - Avenged Sevenfold “

Passando perto dum grupo de pessoas que conversavam . Capturei a seguinte mensagem: "À medida que envelhecemos, vamos nos tornando invisíveis" Será ? Ouvi , porém não escutei, pra quê ? O tempo é implacável.

Tempo este, generoso para muitas famílias que realizaram seus sonhos. Noto, daqui do alto , na Henrique Delvoux, quão visível é o progresso do outro lado, no morro da Estrada do Cemitério. No meio das recém construídas ,consigo identificar a casa onde passei toda a minha infância. Embora vestida com outra cor, permanece com a mesma estrutura

Ah ,,, se eu tivesse agora , aqui em minhas mãos uma fotografia daquela época ,daquele lugar ! Eu veria retratada: somente quatro casas. Aquela onde morei e as outras três vizinhas . Todas construídas sobre o barranco da curva onde inicia a estrada. Certamente, com tênues, quase invisíveis fumaças saindo das chaminés. Janelas abertas . A escada (com degraus feitos na própria terra) ladeadas com Espadas-de-São-Jorge .Veria, as duas enormes árvores, que chamamos de "papudo" , da casa vizinha à direita. Alguns destemidos meninos ,desafiavam o perigo .Subiam pelo tronco de uma, equilibravam-se através dos delgados galhos, desciam na outra árvore.

Na extrema esquerda, a menor dentre as casas. Sempre desabitada. Do seu quintal começa a touceira de bambus .Tão extensa,cobrindo uma enorme área do morro. Lá está, o pé de amoras , imperando sozinho, no meio das tiriricas, carilús e outras ervas daninhas. Suas frutinhas despencavam dos galhos, deixando o chão tinto de vermelho. Ao contrário dos espinhosos, Ora-Pro- Nóbis .Nasceu numa saliência côncava do barranco, exatamente no inicio da estrada.Entretanto muitas pessoas, escalavam a parede do barranco.A fim de colher suas folhas comestíveis, após refogadas.Na época certa,esta planta,nos presenteava , uma bela florada de flores brancas.

Ficaria empolgado , se eu me visse na foto. Sem dúvida, em frente de casa. observando o movimento da rua. Tudo estava sob meu radar: inclusive um fascinante tapete verde, formado pelas folhagens das mangueiras, goiabeiras e uma infinidade pés de bananeiras, dos quintais das casas do Largo da Matriz.Detalhe,quando brisava, era belo,o sincronismo em ondas das delicadas folhas de bananeiras em suaves danças.

Em certas ocasiões, bem antes do sol se pôr, apareciam uns rapazes, com suas manivelas, outros com linhas enroladas em uma latinha .Sentavam, na beira do barranco, com expertise “soltavam” seus papagaios e pipas .Aqueles pontos coloridos no céu, me remete lembrar do papel seda vermelho que encapavam meus cadernos ,da primeira série . Assim como o símbolo “V” bordado no bolso da camisa branca do uniforme escolar.Aliás, até hoje não sei o significado daquele símbolo “V”.

“A verdade é inconvertível” três batidas , lentas, repetidas, tristes dos sinos da Matriz,anuncia o enterro saindo da igreja. Ao iniciar a subida pela estrada de terra batida.Os homens revezam-se nas alças das urnas mortuárias ,escuras e reluzentes. Também nos caixões, revestidos por um tecido azul escuro com detalhes na cor laranja.Havia também aqueles totalmente brancos. Lembro-me , das mulheres correndo escadas abaixo, antes do enterro passar,a fim de recolher os lençóis quarando no pequeno espaço gramado coberto de violetas e cravos silvestres. Os dentes- de- leão ,alvo de disputa das meninadas,qual sopro desnudaria completamente a vovózinha?

De maneira oposta , a leveza reinava,principalmente nos fins de semana.No repicar alegre dos sinos da Igreja. Lá de cima, eu via subir, por esta ladeira, fiéis com roupas domingueiras, para a missa matutina. À tarde, (quando havia jogo)os gritos dos torcedores do Tibério F.C. As vibrantes narrativas das partidas de futebol pelos rádios, influenciavam nos melancólicos domingos

Curtia , os sábados. É o dia em que eu , meu pai, às vezes meus colegas e vizinhos, saíamos para pescar,pelas bandas da cachoeira do Socó.Íamos pela Estrada do Morro do Cemitério,até chegar onde o barranco nivelava com o piso da estrada,na última curva da morada final.De maneira análoga, lá de cima,sentimos o pulsar da vida,vendo a corrente das águas prateadas do rio Pomba , cortando as suaves colinas da cidade.Uma linda paisagem, ou melhor, uma Bela Vista.

eoliv
Enviado por eoliv em 18/11/2019
Reeditado em 24/12/2019
Código do texto: T6798089
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