Jardim de cemitério

Os perfumes se misturam entre cânticos, se espalham com o vento por toda direção, enquanto as múltiplas cores vibram emoções diversas, os tons fortes e fracos dos sentimentos demonstrados. Naturais ou artificiais, arrancadas ou plantadas guardam os segredos do coração.

Coladas ao corpo frio, seu veludo manto tenta aquecer o ambiente, em geral molhado pelas lágrimas. São os respingos do abraço não dado, do perdão não pedido, da palavra mal dita, do amor não revelado. São o orvalho da saudade apertada, do amor desmedido, da eterna gratidão. Seu perfume é forte e contagiante, marcam a memória de quem ali passou, e onde encontram seu rastro, lembram onde estiveram.

Com as luzes apagadas, dormem com o corpo, brindando o fim do espetáculo. Ali não questionam a bondade ou maldade da história, embora tenham tido oportunidade de ouvir mil relatos, apenas acompanham, sem julgamentos, a última morada.

Espalhadas pelos cantos, penduradas nas paredes ou tripés, largadas ao chão, enfeitam o ambiente. Por vezes homenageiam e contam aos demais presentes a importância que alguém tem ao coração. Mostram seus espinhos quando a homenagem ultrapassa os limites do coração para invadir a disputa inútil do quem dá mais.

Cada detalhe devidamente harmonizado em vasos, buquês ou coroas, escolhido por preço, tamanho ou graça não conseguem cobrir a dor da saudade, mas humildemente tocam corações, lembrando que ainda existe amor espalhado por ali.

Por vezes carregam consigo frases, até escritas com erros pela pressa do entregador, e os nomes a serem lembrados, na lembrança de quem se lembrou de querer ser lembrado.

Caminham junto com o povo, leves ou pesadas, ficam ali cantarolando as histórias, que de perto narram o melhor e de longe se engasgam em risadas, piadas sem graça e o que nem sempre foi bom. Transpiram a esperança de juntar cada enredo e expelir agradável odor.

Jogadas antes da terra, despetaladas ou não, última oferta simbólica ao corpo que não mais será abraçado, no desejo de que o pouco de perfume das mãos que oferecem rosas permaneçam eternamente na memória, junto às melhores lembranças, que não se quer ver partir com a partida, suavizando o momento da despedida, exalando o aroma de momentos compartilhados.

Plantadas, adornam com a saudade o ambiente, deixando presente a presença que nem sempre comparece. Marcam a certeza de que permanece o cuidado, amor zelado, nem sempre pelas mãos perfumadas que ofertaram a última rosa.

Murchas pelo tempo, que embala nova vida, ou plantadas guardando devoção podem ser pisoteadas pelos andarilhos de outra saudade, sem deixar de emanar o cheiro do que não se apagou.

Val Medeiros
Enviado por Val Medeiros em 16/11/2019
Reeditado em 16/11/2019
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