EFEITO DE UMA SURRA BEM DADA
Longe de fazer chacota com a dor alheia, mas as vezes a desgraça acontece por falta de uma surra bem dada.
Papai costumava surrar-me, cada vez que eu cometia uma arte, dentro da compreensão dele. As surras não saiam por menos de uma hora. A mais rápida delas, aconteceu quando eu tinha nove anos, não durou mais do que cinco minutos e foi a única do gênero, quase dez chineladas, daqueles de matéria plástica, no dia seguinte tive que encarar a escola, mesmo com uma marca da sola em cada braço, ainda bem as outras foram na altura da bunda, assim não apareceram. As chineladas não me mataram e não fiquei complexado, e ainda aprendi que o castigo físico, na maioria das vezes assusta, quando não foi experimentado, mas também podem funcionar, como foi o caso do Beto. Não cheguei a ser colega dele, o conheci numa pista de atletismo. Um garganta como diziam, tudo sabia, tudo fazia e bochava - assim mesmo, de bocha, o pior é que também boxeava, qualquer um.
Era daqueles jovens que se relacionava bem, tinha boas notas, mas se achava também, um bad boy. Numa noite de sábado, próximo ao clube do bairro envolveu-se numa arruaça. Bocheou meia dúzia de rapazes e os dois policiais que chegaram. Veio o reforço, só um policial a mais, faixa marrom em kyokushin, mesmo assim Beto não baixou a crista, dois ou três golpes lhe valeram traumatismo craniano e 30 dias de UTI. Outro dia encontrei-o, já passado dos 65 anos, eu um pouco menos, mas com cara de setenta e ele, com de sessenta, ou menos. Claro que não toquei no assunto da surra, nem do aprendizado que ela representou na vida dele. Depois daquilo ele continuou praticando várias modalidade de lutas e esportes, deixando de ser bad boy, tornou-se um cidadão de bem.
Diferente de Beto, não foi a surra de chineladas que me puseram temor aos castigos, mas as outras trocentas surras que papai deu-me, aquelas de uma hora. O ritual era mais ou menos assim:
- Senta ai e me diz porque tu fizeste isto! - eu dizia e ele arrematava:
- Mas tu não sabias que não era para fazer? - Sabia respondia eu.
Assim o imbróglio se arrastava. O aprendizado funcionou muito mais do que as chineladas.
Depois com 17 anos na Academia, não tive dificuldade em enfrentar os doutores, doutores em pastilhas. As pastilhas eram uma versão mais sisuda das sessão de papai.
Pois é, quando vejo um cidadão cometendo algum ato de desrespeito aos policiais me vem que, o ECA deveria prever pastilhas, do tamanho de antiácidos efervescentes, tipo Sonrisol.
Por certo muita gente estaria sempre a sorrir, pelo alivio dado a própria acidez.