BRINCANDO ENTRE ESCULTURAS DE VALENTIN VON ADAMOVICH
BRINCANDO ENTRE ESCULTURAS DE VALENTIN VON ADAMOVICH
Valentin Von Adamovich por onde passou deixou a sua arte: Um altar folheado em ouro na igreja de Cerro Largo obra em Mato Queimado, Rincão Vermelho, São Luiz Gonzaga na Igreja Matriz e nas Ruínas de São João Batista (segundo os documentos históricos o Monumento Pe. Antônio Sepp, na entrada de São João Batista foi à realização de um sonho) e em Santo Ângelo, quando em 1952 veio contratado pelo Padre Paulo Stacovich.
Portal das Missões
Vivi parte da minha infância em Santo Ângelo, Rio Grande do Sul. Meu pai, gaúcho do Alegrete, era tenente do Exército Brasileiro, e fora transferido para essa cidade, da qual guardo recordações que enriqueceram minha infância. Santo Ângelo é uma das missões jesuíticas, onde os índios não eram escravizados, mas orientados em profissões diversas, notadamente em agricultura cooperativa. Por oferecerem perigo aos colonizadores portugueses, eclodiu a Guerra Guaranítica que dizimou mais de mil e quinhentos índios e acabou com os chamados Sete Povos das Missões. A Missão de Santo Ângelo Custódio foi a última a ser implantada por parceria entre jesuítas espanhóis de índios guaranis
A Catedral Angelopolitana, sede da paróquia local, situa-se na Praça Pinheiro Machado, do lado oposto fica o Colégio Estadual Onofre Pires, onde cursei, após completar sete anos em 1952, os três primeiros anos primários. Quem admira as esculturas sacras que compõem um acervo maravilhoso, nem de longe avalia o trabalho executado que, hoje, possibilita essa contemplação. E tive, quando criança, o privilégio que guardo até hoje de presenciar como essa belíssima coleção de esculturas nasceu das talentosas mãos de um escultor e engenheiro civil austríaco chamado Valentin Von Adamovich. Eu e meus amigos brincamos muito na oficina desse artista, que ficava ao lado da igreja. Era um espaço aberto e nós, com sete ou oito anos, aproveitávamos aquele labirinto de bancadas, blocos de pedra bruta, partes de colunas, cabeças de santos, anjos, índios, estátuas de santos. Na época com sete ou oito anos, eu nem imaginava para que aquele homem trabalhava tanto e como era possível uma pessoa planejar e organizar aquele mundo de blocos de pedra grés ou arenito que chegavam diariamente e saber o que criar com cada um. Vimos as peças serem buriladas e acompanhamos cada uma das etapas da profissão do escultor. Era um trabalho árduo. Cortados em serras de bancada em tamanhos diversos conforme a peça final, aos poucos ia surgindo uma espécie de rascunho tridimensional da imagem e, sempre lentamente, aquele bloco ia ficando cada vez mais apurado, como se nascesse da pedra um santo, um anjo ou um índio. Os índios guaranis exerceram papel importante nas Missões Jesuíticas devido parcerias com os missionários espanhóis. Tanto que Sepé Tiaraju, líder dos indígenas na Guerra Guaranítica, era nomeado alferes do exército espanhol. Como se ajustasse o foco de uma lente, as mãos de Adamovich progressivamente transformavam a peça em uma imagem nítida. E maravilhosa. Presenciei, sem saber, a criação de um acervo que é a principal atração artística e turística de Santo Ângelo. Corríamos entre as peças, o local era maravilhoso para brincar de esconde-esconde, dar susto nos amigos e outras artes infantis. Muitas vezes fomos “gentilmente” convidados a nos retirar do local pelo artista aos berros falando que sua oficina não era lugar para crianças devido aos perigos que apresentava. Até disso tenho saudades. Hoje, ao ver as estátuas, já sexagenárias, me sinto meio que protagonista de sua criação. Adamovich faleceu em 1961.
Paulo Miorim 14/11/2019