A noite em que mataram meu tio Elizeu

Capítulo 07

A noite em que mataram meu tio Elizeu

O dia nasceu estupendo. Sol enchendo cada canto, cada rua, cada beco. No horizonte, estavam chegando os anos 60. Breve, Jânio e a renúncia. João Goulart e a Revolução. Não em Terra Boa. Bolo de fubá e cafezinho. Pamonha e cural. Macacos e filhotes de onça. Tartaruga no quintal. Os ônibus lutando em dia de chuva para vencer as ruas barrentas, as estradas com atoleiro. Todo povo olhava de soslaio quando os homens vestiam a vistosa camisa marca Volta ao Mundo. E as camisas na tonalidade xadrez? Como ficariam? Máquinas Olivetti – O melhor emprego? A melhor comissão? Vendedor de máquinas de escrever. Mas para os sitiantes, este era um mundo distante. Meu pai ganhava um porco, uma galinha, milho, mel, mexerica, fubá e por aí vai. Roberto Carlos? Vamos esperar os anos 60? Por enquanto: Oh, Carol, sem o seu amor tudo é uma tristeza, tudo é um horror. Eu não posso viver sem seu carinho, sou ave sem ninho, sem o seu amor. Oh, Carol. Ouvíamos ou no alto falante do cinema, ou em uma vitrolinha Transistor. Diana – backing vocal melodioso. Que sensação!

Cara esquisito? Biruta. A pessoa estava inquieta? Parecia bode em canoa. Moça bonita era maninha. Rapaz, pão. Ponte do Rio Kway – o filme. Ou Duelo ao Entardecer. Raramente, víamos um DKW. Era chamado de automóvel. Fusca também, luxo. Meu pai teve a primeira Rural Willis de Terra Boa. De resto, Jeep, carroça e cavalo.

Voltando ao assunto: O dia nasceu estupendo. Sol enchendo cada canto, cada rua, cada beco. Meu tio Elizeu era da Polícia. Um tio meio assim de segundo grau, mas tio. À noite, o sol já se pusera, o dia declinara, e a cidade descansava. Não o Gauchinho. Estava em um lupanar. Uma casa da luz vermelha. O conflito começou por um “dá cá aquela palha” e meu tio, a autoridade policial, foi chamado. Ele não adentrou ao recinto, ficou com os dois braços cruzados à janela. Repentinamente, ouviu-se um estampido. E o pai do Daniel, do Isaías, da Mercedes, do Ananias, da Irene, da Izinha, tombou morto, instantaneamente. O marido da tia Maria a deixava viúva.

Tive o desprazer de ver sua família perdendo a batalha contra as dificuldades da vida ao longo do tempo. Tive também o prazer de ver sua família reagindo e alcançando uma vida digna, sem tantas privações, com muito trabalho e esforço. Maldita bala assassina, sem dó, sem padrão, sem misericórdia. Um clarão da morte, numa noite abafada.

O Gauchinho. Ele também foi baleado. Uma confraria da família acertou de acertá-lo no hospital onde estava internado. Já tinham tudo facilitado... pelo delegado e pelo enfermeiro e pelo médico: doutor Deixa para Lá. Mas... alguém teve um pouco de sensatez, o suficiente para deixar a vida se encarregar de fazer justiça. Anos depois, o gauchinho não parou com sua boiada na barreira policial. Quem com ferro fere com ferro será ferido. Morreu fuzilado.

A pequena e pacata Terra Boa vivia assim seus dias de Sol e de sangue.