QUELUZÍADAS
Queluzito não é Bacurau, mas pode sumir do mapa, como aconteceu no filme. Se depender da vontade do nosso presidente, é questão de tempo. Centenas de municípios, entre eles meu torrão natal, serão extintos e seus territórios incorporados a outras unidades administrativas de maior pujança econômica. Simples assim. Se o Congresso aprovar, uma canetada terá encerrado a história da Pérola da Estrada Real. E cessa tudo o que a musa antiga canta.
Fazendo o papel do Velho do Restelo, eu sou contra. Queluzito não é uma cidade qualquer, preocupada apenas em produzir riqueza. Queluzito produz beleza. Suas cachoeiras, seus jardins, sua igreja setecentista, além da flora e fauna exuberantes. Enfim, o Paraíso das Cocotas, que – reza a lenda – teriam sido estudadas até por Charles Darwin, antes de publicar “A Origem das Espécies”.
É claro que, com a mudança, ninguém vai destruir esse santuário. Sabemos disso. Mas toda essa beleza, para vicejar, precisa de luz própria. Tem de ter a sua identidade preservada. As digitais de seus moradores atemporais e de seus administradores comprometidos com as particularidades do lugar.
Uma cidade que respira história, cultura e uma paz bucólica não pode ser eclipsada por outra de maior porte, só para atender a frieza das projeções estatísticas e, com isso, apagar as memórias contadas por nossos antepassados em volta do fogão de lenha nas noites de inverno, enquanto as labaredas projetavam figuras assustadores na parede da cozinha. Não pode apagar as histórias do cachorro Veludo e da mula sem cabeça, as brincadeiras de rua, a escola primária, os festejos da Semana Santa com a missa celebrada em latim (“...dominus tecum benedicta tu in mulieribus...”). Não pode fazer com que nos sintamos apátridas dentro da própria casa.
Eu, se fosse o presidente, visitaria Queluzito antes de insistir no propósito de eliminar o município do mapa. Visitaria, sobretudo, o deslumbrante jardim que ornamenta a Praça Santo Amaro, em frente à igreja matriz do mesmo nome. E aí entenderia por que a cidade é conhecida como a Giverny de Minas Gerais. Se Claude Monet tivesse conhecido esta antes daquela, certamente seria este o jardim que ele imortalizaria em suas telas impressionistas.
A propósito, a Giverny francesa tem menos de mil habitantes e ninguém pensa em varrê-la do mapa.
E eu, pensando em meus netos, não gostaria que Queluzito fosse “apenas um retrato na parede”.
(Obs.: Título em homenagem póstuma ao prof. Alberto Libânio Rodrigues)