Cidadezinha qualquer
Ouço a notícia de que as cidades pequenas, pequeninas deste Brasil grande não vão mais existir – vão sair literalmente do mapa. São pobres, não se autossustentam, só dão prejuízos para o país, que não precisa desses enfeites que se fingem de gente grande – com prefeitos, vereadores e secretários, mas sequer deviam ter saído das fraldas porque precisam dos impostos que as cidades grandes arrecadam – e não contribuem com nada.
Em nome dessa tal de austeridade – que já não é capaz de dar aos mais desafortunados uma assistência decente – tira-se deles, também, o quinhão de sua história, sua cidadania, sua naturalidade no documento de registro geral.
Tive um primo médico, o doutor Sérgio Célio, nascido e criado em Recreio, aqui em Minas, de onde saiu para o exercício da medicina em Salto, no estado de São Paulo. Recreio não aparece na lista de excluídos, sequer sei sua população – mas é bem pequena. Imagino alguém tirar ao Sérgio o maior privilégio da vida: ser um recreense. Menino do interior que conquistara a Faculdade de Medicina em Juiz de Fora e, depois médico, que por aqui passava nas férias, tinha sempre por destino mais importante , senão único, o seu torrão natal, do qual se orgulhava e dizia com boca e olhar cheios: “ – Recreio é tudo!”. Tia Elzira, em cuja casa ele passava para cumprimentar a todos, depois nos noticiava, orgulhosa da visita: – Serginho já foi correndo para a terra dele.
Quem aqui em Juiz de Fora estudou no curso IAC, sabe que o engenheiro Adelino Saul e o professor José Aparecido de Castro – diretores do preparatório – reagiam sem mágoas aos chistes que, no ambiente escolar, às vezes se faziam à pequenez de Piau, terra onde nasceram, cresceram e da qual não saíam, embora vivessem em Juiz de Fora. São piauenses, felizes e orgulhosos da pequena terra pequena, que talvez passe a existir somente nas antigas certidões. E nos dicionários antigos, pois o Houaiss, embora se descuide de outros gentílicos, deu guarida aos nascidos em Piau.
E pelo Brasil afora vamos caminhando pelos pequenos lugarezinhos com suas praças, igrejas, animais pelas ruas, monotonias e sonhos, sonhos de sair e de voltar, se não para ficar, para rever e recordar com os que ficaram. Sonhos também de ficar, ficar até quando Deus quiser.
“Casas entre bananeiras / mulheres entre laranjeiras /pomar amor cantar. /Um homem vai devagar. / Um cachorro vai devagar. /Um burro vai devagar/. Devagar... as janelas olham. / Eta vida besta, meu Deus.” Besta, Drummond? Sim, besta, mas com autoridade que temos para ver defeitos no que realmente amamos...