Os tempos do carro de boi.

Hoje pouco usado,o carro de boi virou relíquia,até peça de decoração nas fazendas, mas a um tempo atrás o seu ruído pela estrada era típico e reconhecido de longe, sempre coloco o título nessas crônicas lembrando aqueles tempos. A fazenda era uma festa constante de tanta gente que por lá passava, e todos que chegavam eram recebidos com uma mesa farta de quitandas e um café "passado" na hora. A tia Ritinha e o tio Walter,mais conhecido como Fizinho, com jeito simples e acolhedor tinham sempre uma prosa para nos distrair.A conversa era animada próxima ao fogão de lenha com a enorme mesa onde ficávamos por longo tempo degustando e "jogando conversa fora". A sabedoria deles era contagiante, mesmo afastados da cidade grande possuíam um vasto conhecimento que até hoje ficamos a pensar como pessoas que aparentemente distantes de todas as agitações de cidade grande tinham ao seu jeito, que definimos como sistemático, tanta sabedoria sobre a vida e ficavam felizes com as pequenas coisas. Lembro do dia que com a felicidade de um encontro com várias pessoas da família, minha tia, que chamava máquina fotográfica de Kodac, pois naquela época sem ter os celulares que tiram instantaneamente milhares de fotografias que muitas vezes nem são vistas, pegar a "kodac" e tirar uma fotografia que demorava algum tempo para ser revelada, para podermos visualizar, se transformava em um autentico evento, não só o ato em si de fotografar como quando o filme retornava da revelação, muitas vezes longe, pois só havia meio para revelar em Carangola, a uns 28 Quilômetros da fazenda, assim tirar uma fotografia era para celebrar algum momento muito exclusivo. Aquele dia lembro, que minha tia teve um brilho nos olhos ao ver as pessoas da família ali reunidas, em uma alegre e animada conversa que sem titubear antes de nos despedirmos, disse:

- Esperem vou pegar a Kodac.

Assim o fez, já no terreiro próximo ao curral ao lado do paiol, registramos aquele momento.

Tia Ritinha estava naquela época adoentada, e todos diziam que ela tinha "a doença ruim". Era forma de dizer quando alguém estava com câncer.Até hoje ainda é assim falado.Notei que minha tia possuía um brilho nos olhos que fez recordar da cronica do escritor José Saramago na famosa "Carta para a avó Josephina"em que ele ao homenagear a avó de origem simples, mas tal qual a minha tia Ritinha, de grande sabedoria. A parte mais emocionante é quando a avó do escritor, diz nessa crônica:

-Essa vida é tão boa, que eu tenho tanta pena de morrer...

Após aquele dia, minha mãe me contou que todas as vezes que visitava a tia Ritinha na fazenda, ela fazia questão de mostrar a fotografia que havíamos tirado.

-Olha aqui, estou ao lado do Fernando. Ele até me abraçou.

Dizia como se eu, naquele tempo, estudante de medicina, fosse uma celebridade.

Possuíam jeito peculiar de falar, evitando tal como a tal "doença ruim", outros meios de definir os lugares. Pouco saiam da roça, e raramente iam nos visitar em Volta Redonda. Lembro de outra denominação engraçada, pois na entrada da cidade de Volta Redonda havia muitos motéis, e para não dizer a palavra Motel, diziam:

-Ali na entrada da cidade, tem aqueles lugares que "os rapazes levam as mocinhas sem juízo".

Até hoje quando vou chegando em Volta Redonda, lembro dessa estória.Era bem interessante quando minha tia Ritinha dizia essa frase. Sempre ríamos muito. Essa era a piada "pesada daquela época".

Doce ingenuidade...