Pelada

Sou assim, vez por outra paro, saio um pouco do mundo cão à volta. Tiro a mente do presente, do que acontece agora, hoje, e vou vasculhar o passado.

E sinto-me bem.

Vejo as coisas assim: quando somos crianças – e jovens – não olhamos para trás. Nada disso. Vale o presente. E o que virá, o futuro.

Afinal nessa fase nem temos tanto para lembrar. A vida começa, está brotando ainda.

Já velhos (idosos) costumamos recordar, relembrar. Pela frente não nos resta muita coisa.

Conversemos com quem tem mais de 50, ou 60, ou 70, para constatar o que digo. Relembrará a fase da juventude, das namoradas, das músicas, bailes.

Dirá certamente que foram tempos melhores, sem tanta violência, crimes, doenças, fome, miséria, desmoralização.

No meio dos anos 1990 (94/95) trabalhei no sul do Pará. No município onde fica Serra Pelada.

Muitos sabem, um dos maiores e famosos garimpos do Brasil. E do mundo.

Ele já estava exaurido, fora de atividades. Ficaram no local só algumas famílias. Conheci Maurício Braga.

Ex-garimpeiro, alto, cabeça branca, falhas de dente. O “carioca” - não sei o porquê do apelido. Nascera no Maranhão, aqui, ao lado do Pará.

Ficamos amigos. Sujeito sorridente, com boa disposição, espírito coletivo. À vezes falava demais – e alto. Gostava de criticar. O estilo dele.

Isso incomodava quem estava perto.

Criou uma associação de bairros em Serra Pelada, a Abasp. Andava com uma pasta. O prefeito de então gostava dele.

Certa vez Carioca ganhou dele – prefeito – R$ 500. Quantia com mais poder de compra que hoje, logicamente.

Era uma sexta-feira, fim de tarde.

Chegou comigo, disse-me: ----- Jornalista, meu caro, vamos tomar umas cervejas. Deixa comigo, eu pago.

Fomos a um Pit Dog (eram locais ao ar livre, iluminados, bem frequentados nos fins de semana), à margem da rodovia. Neles vendiam-se lanches e bebidas alcoólicas.

Ambientes familiares. Quer dizer, sem a presença da plebe maldita, os cidadãos de moral duvidosa (prostitutas, ladrões, pobres, pardos, negros).

(Não quero ser moralista, nada disso. Mas tal tipo de discriminação está de pé, hoje.

Especialmente nos bairros chiques das grandes e médias cidades. Não sei se ocorre tal discriminação, por exemplo, no Leblon, Ipanema, RJ, Morumbi, SP, etc.).

Mesa de garimpeiro é assim, tomada por garrafas secas de cerveja, para mostrar fartura.

Claro, aparecerem outros para participar da farra. Dia clareando, resolvemos ir a Serra Pelada.

Fomos no carro de um conhecido. Uma boa distância da sede do município (Curionópolis) ao distrito, cerca de 3 horas.

Chegamos, tomamos café na casa de um cidadão, de seus 60 anos, de nome Ribamar, também maranhense. Sua mulher, dona Flor. Pessoa simpática, atenciosa. Nos tratou muito bem.

Esse cidadão nos disse que ocorrera um homicídio na madrugada. O corpo estava num local, improvisado de necrotério.

------ Vamos lá ver quem foi a vítima, Maurício me convidou.

Fomos. Lá o corpo, crivado de facadas, de um homem, mais ou menos 40 anos. Não me senti bem com aquilo. Violência não faz bem para ninguém.

No auge da exploração de ouro, início (até a metade) dos anos 1980, quase que diariamente eram assassinadas duas, três pessoas – até mais, nas espeluncas (bares e prostíbulos) da cidade.

Logo cedo, de manhã, um carroceiro recolhia os cadáveres (isso na cidade de Curionópolis. Em Serra Pelada bebida alcoólica e bares eram proibidos).

Nesse sábado fiquei lá, na Serra. Dormi (um pouco) na casa de Seu Ribamar, na rede. O ex-garimpeiro costumava dizer que “bezerro bom mama na mãe dele e na mãe dos outros. O bezerro ruim não mama nem na dele”.

Uma dica para sermos bons, amáveis, abertos, leves, "maneiros". Quem espalha bondades colhe bondades. Lei da ação e reação.

Tempos atrás o encontrei aqui, em Belém. Continua do mesmo jeito.

Salatiel Hood
Enviado por Salatiel Hood em 07/11/2019
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