CRÔNICA DE UM DIVÓRCIO AMIGÁVEL

Quando estive na faixa dos quarenta anos já despertara para muitas coisas da vida. Nessa época trabalhei em uma escola pública quase rural, de um bairro distante de Jacareí. Ali fiz amizade com uma colega, isso é raro na profissão de professor, por incrível que pareça, mas isso não vem ao caso.

Vou chamá-la de Madalena, casada com Rubens.

Não raro Madalena queixava-se dos atritos que tinha com o marido. Ela estava com 58 anos e ele 65. O atrito principal (e que desencadeou nele depressão) era o fato de uma filha deixar seus dois filhos com eles enquanto trabalhava. Para Madalena a tarefa tinha menos peso porque também trabalhava, mas no período da tarde e parte da noite, ficava com as crianças das 8 h ao meio dia e desse horário ,até o anoitecer, era Rubens quem cuidava dos netos a contragosto. Para ele aquilo era um acinte, afinal, criara os 3 filhos sem ajuda dos pais ou sogros, e orientou todos eles para a autonomia, fez com que cada um fosse cuidar da própria vida quando atingiram a maioridade. Enquanto dependeram dele, trabalhou duro, era funcionário de uma madeireira, trabalho braçal e ainda encanador e pedreiro, tudo fez para proporcionar conforto para a família. No entanto, jamais suporia que após aposentar-se teria de cuidar de netos, para ele isso era o fim da picada. Já Madalena, não pensava assim, era muito afeita à ideia de proximidade com os netos e filhos, prevaleceu sua vontade.

Pode parecer estranho esse proceder, mas nos 35 anos de casados muitas coisas afloraram. Uns 25 anos antes ela descobrira que ele a traía, quis separação, mas ele mobilizou parentes, família, amigos, realizaram um jantar em um restaurante e ali pediu-lhe perdão de joelhos, ela concedeu, em parte, tanto que permaneceram casados, mas desde então suas vontades passaram a predominar na relação, a dos netos foi a derradeira.

Eu o conheci numa festa na escola, trocamos apenas algumas palavras, mas seu olhar me impressionou, olhar de quem nunca foi realmente feliz na vida.Madalena disse também que ele estava tendo muita dificuldade para aceitar o próprio envelhecimento e que o relacionamento estava insuportável, antidepressivos e psicoterapia não estavam adiantando, várias vezes tirou licença por causa dele e dos netos. Dias depois de tê-lo conhecido, dei para ela o livro Perdas & Ganhos, de Lya Luft e recomendei à Madalena que dissesse a ele que sugeri que ele lesse, mas disse a ela para não insistir. Ela deixou o livro sobre uma mesinha e dias depois notou que ele o lia, às escondidas. A partir disso ele começou a reagir, começou a correr atrás de um negócio próprio, o sonho de toda sua vida. Eles moravam numa bela chácara, comprada com o esforço de ambos, e ali ele começou a produzir alguns doces caseiros junto de um rapaz conhecido e a vendê-los para restaurantes e hotéis da região. Foi quando se separaram e ela abriu mão da chácara para ele.

Em 5 anos a empresa dele já contava com 28 funcionários com carteira assinada e Madalena, aposentada, foi morar com a filha. Ele não se casou outra vez nem ela, acho que Lya Luft causou grandes transformações na vida dele e dela, fico feliz com isso...

Camilo Jose de Lima Cabral
Enviado por Camilo Jose de Lima Cabral em 05/11/2019
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