A Botica, digo farmácia

A Botica, digo farmácia.

Eu era um menino: 3 anos. Jeferson. Não era um nome comum para uma cidade do interior do Paraná. Terra Boa, uma cidade pequena, vamos dizer acanhada. Meu pai conversava com viajantes, sitiantes e todo tipo de gente. Lembranças que jamais morrerão: as matas, as ruas, o areião servindo de pista, de calçada, de campinho, de rua, de estrada. A comprida avenida principal. Pouca coisa mais que isso. A poeira subindo em tempos de estio. Os cachorros passeando pela rua, sem pressa, sem susto, sem destino.

A chuva vinha à tarde. Leve, mais pesada um pouco. Leve de novo. Vô Clodomiro vinha do sítio. Rabo de tatu na mão. Um cavalinho, uma carroça. Às vezes, só o cavalo mesmo. A farmácia – meu pai – o povo simples, do sítio em maioria. Até os 18 anos, acompanhei meu pai no seu trabalho de farmacêutico. Inclusive trabalhei junto a ele. Quantas vezes eu pude vê-lo! Lá estava ele: medicando, costurando ferimentos, fazendo curativos, aplicando injeções. Farmacêutico era praticamente médico à época. Interessantemente, meu pai nunca cursou farmácia, faculdade, quero dizer, mas o Conselho de Farmácia deu-lhe este título, pela sua prática, competência e pelo longo tempo de serviços prestados na área.

Eu ficava de lado, observando atentamente. Não havia problema de saúse que o “seu” Barbosa não resolvesse. Verminose? Ankilostomina Fontoura. Regime e limonada purgativa. Para todas as doenças, fazia-se necessário o regime. Crise renal? Nem tomate nem vinagre. Azia? Leite de magnésia Phillyps. Gotas digestivas. Hepatocol. Disenteria? Ftalomicina. Leiba. Maçã amassada, batata cozida e amassada feito um purê. Tinha que fazer regime. Era parte da cura. Dor de cólica? Elixir Paregórico. Funcionava? Lógico que sim, como diz meu neto Nícolas. Acontece que este remédio tem como princípio ativo o ópio. Não tinha dor que resistia (kkk). Eram ervas, pozinhos, pomadas. E o povo era curado sim. O sal amargo purificava o sangue, e dava uma vontade muito forte de frequentar a “casinha”. Aurisedina (dor de ouvido). Esquentava em uma colherzinha, pingava no ouvido e tampava com algodão: tiro e queda – tirava a dor com a mão. Tosse? Xarope de Guaco, Tussaveto, Melagrião, Bromil. Regime: gemada – batiam-se dois ovos, até fazer espuma, leite bem quente, canela e alcaçuz. Meu pai curou minha bronquite assim. Rins? Pílulas de Lussen. Dor de dente? Um Minuto. Depois o Passa Já. Gargarejo? Bochecho? Anapyon. Memória? Fosfosol? Glimiton. Ferimentos? Machucaduras? Cortes? Água oxigenada para limpar, desinfetar com Mercúrio ou Merthiolate. Para cicatrizar Anaseptil pó.

Emulsão Scott, Biotônico Fontoura – para a criançada comer – reforçados com Calcigenol Irradiado. Ossos fortes, guris e gurias espertos e robustos. Óleo de Rícino já fez muito garota pular como um macaco atiçado, Para as senhoras Regulador Xavier. Eu me perguntava: Este regulador regula o quê? Kkkk. Os remédios ardiam, cheiravam mal, tinham gosto ruim, péssimo, mas funcionavam. O caboclo queria mais era sarar. Uma injeção de Benzetacil não deixava ninguém se animar a fingir uma doença.

Admirava meu pai. Elegante em seu guarda pó, branco, bem passado, bem cuidado. Ele levava um tempão passando o pente no cabelo, ajeitando-o cuidadosamente, sob o efeito imobilizante e fixante do Trim, depois do Brylcreem. Foi assim que ele criou 6 filhos. Eram os tempos de antanho. Homens decididos, bravos, trabalhadores, que honravam o fio do bigode. Ainda que alguns o conservavam (o bigode) preto com um pequeno Tablete de Santo Antônio.