A INEXORÁVEL PININHA

Bom dia, Pina...

(silêncio)

Pina, bom dia...

(silêncio)

Pina! Estou falando com você...

(silêncio)

Pina, você não está me ouvindo?

(silêncio)

Ai... Ai... Ai... Ai... Ai... O que deu nela?

(aos gritos) – Piiiiiiiinaaa...

Vixe! Carece de gritar, Dona Gertrudes.

Acordou?

Faz tempo... Às quatro... Já peguei “busão” lotado... Trânsito parado... Não bronqueia que eu estou atrasada.

Ai! Pina... Que susto!... Pensei que tivesse acontecido algo diferente. Que você “tivesse” magoada comigo.

Gegê, não é tivesse... É estivesse...

Que deu em você? Engoliu um dicionário?

Não! A Zefinha, vizinha de casa “tá” no EJA.

Não é “ta”. É está.

Está certo, Gegê. A senhora aprendeu no EJA?

Não! Eu não frequentei o EJA.

Ta bom!

Por que?

Ia perguntar o que é EJA?

AI! Pina... Educação de Jovens e Adultos.

Vivendo e aprendendo.

Mas, o que tem o EJA com você não dizer bom dia?

Boca fechada não entra mosca, nem sai bobagem.

Quanta filosofia! O que deu em você hoje?

A Zefinha deu de ficar corrigindo tudo o que eu falo errado.

Sempre é bom aprender.

Gegê! Parei de escutar rádio de madrugada.

Por que?

Falam muita palavra errada. Depois, a Pina, que é “meia” analfabeta pensa que eles falam tudo certo, repete e a Zefinha parece um papagaio corrigindo o que eu falo.

O que aconteceu?

Noite dessa, o moço do rádio falou que o “primeiro ouvinte que trazer sei lá o que na emissora, ganharia um par de ingresso pro show sei lá de quem”.

E daí, Pina?

A Zefinha falou que o certo era o moço dizer “trousser” ao invés de trazer.

A Zefinha ta certa.

Está, Gegê... Está...

Ai... Ai... Ai... Ai... Ai...

Fica difícil pra mim entender.

Para eu entender.

A senhora também faz confusão?

Não, Pina! Não é “mim” entender que se diz. É para eu entender. Mim é pronome oblíquo e pronomes oblíquos não podem ser sujeito.

Que?

Esquece a explicação. Lembre-se apenas que mim nunca faz nada. Quem faz é ”eu”.

A senhora? Eu é que levanto cedo, dou duro o dia inteiro faxinando a casa...

Ai... Ai... Ai... Ai... Ai...

Que foi?

Não é isso...

Não entendi...

Melhor deixar pra lá...

Já estou imaginando o que a senhora está pensando...

O que?

A burrice da Pina é “inezorável”...

Nossa, Pina! É isso mesmo...

Vou procurar o Sindicato, falar com o advogado...

O que foi agora?

A senhora disse que sou burra.

Não! Pina... Você falou inexorável certinho.

Foi a Zefinha quem me ensinou. Eu falei que tinha escutado o moço do rádio falar que era inequizorável o que não sei quem fazia e ela disse que era “inezorável”.

É Pina! Muitas pessoas cultas falam errado “inexorável”. Muito bom o EJA que a Zefinha frequenta.

Gegê, posso fazer uma pergunta?

Adianta falar não?

Não! Se não souber, não tem importância.

Pergunte, Pina.

O que é inexorável?

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 05/11/2019
Reeditado em 05/11/2019
Código do texto: T6787611
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