ENEM DE LONGE!
Redação surpreende e divide opiniões; mas sinaliza que o pensamento crítico continua vivo e ainda seduz.
Claudio Chaves
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Falta de pressões e ameaças não foi.
Entre outras insanidades e demonstrações claras de autoritarismo, anti-intelectualismo, apologia ao sectarismo dogmático e imbecilização coletiva, o capitão extinguiu o Ministério da Cultura, desmontou o MEC (substituindo técnicos de carreira por pupilos adeptos de seus devaneios) – especialmente o INEP (Instituto responsável pelo ENEM) –, fechou a rádio a rádio MEC (no ar desde 1923), tentou revogar a Lei Rouanet (que incentiva a cultura), tentou fechar sindicatos e a UNE (União Nacional dos Estudantes), mandou filmar professores e alunos e os classificou como “idiotas úteis” e “massa de manobra”, induziu pais a denunciar professores q incentivassem manifestações de rua, reteve verbas da educação como forma de retaliação, e sustentou, com orgulho, intervenção na Agência de Cinema (ANCINE) para evitar que produções [ temas lgbti+, críticas à ditadura militar, racismo, desigualdade social, lutas de minorias, ...] que ameacem estabilidade da “família brasileira de bem (formada por homem e mulher, independentemente do comportamento diante da sociedade)”, além de censurar filmes, obstaculizar o trabalho de e ameaçar jornalistas e veículos de comunicação que não o reverenciam.
Pela temática da Redação definida pela Comissão Organizadora do Exame, nada disso vingou.
A despeito das pressões, intimidações, manipulação midiática e várias ações concretas para tirar do povo o direito de pensar, se expressar e, principalmente, desejar cultura, a ousadia da Comissão ao manter a cultura como tema da Redação, manda um recado (não muito indireto) ao capitão e sua tripulação de devotos: “Por enquanto, suas tentativas de privar o povo de continuar pensando, ‘[e]nem de longe’, conseguiu [ainda] alcançar os efeitos pretendidos”. Mas o melhor é não subestimá-lo – ele tem nome de ungido, e como tal se sente e, pior, assim é tido por milhões de seguidores, praticamente devotos.
Quanto ao elitismo do tema – que, no entendimento de muitos, excluiu os alunos da rede pública, em especial do interior do País [o “Brasil profundo”] –, por estes não terem acesso a cinema –, há controvérsias.
De fato, não é um tema de domínio de quem tem pouca leitura – aliás, qual o é?! A falta de experiência com o ambiente, em si, não é, no meu modesto entendimento, o principal empecilho para desenvolver um texto com os requisitos exigidos na prova – os quais os seriam qualquer que fosse o tema.
Se dissermos, no entanto, que a escola pública – e com inquestionável destaque a do Nordeste e do Norte do País – está em quase total descompasso com a formatação e objetivos do Exame, aí teremos uma discussão mais coerente.
De qualquer forma, perceber que, a despeito de todos os ataques do capitão e sua tropa à cultura, às liberdades de ensinar, aprender, pensar, expressar, criar e ao pensamento racional e crítico, esses fundamentos tão essenciais à constituição e identificação de uma nação continuam a inspirar e seduzir, a ponto de preterir temas igualmente relevantes, porém mais urgentes (como a crise climática, a violência nas escolas e o suicídio juvenil – pra citar alguns) no maior exame de longo alcance do País, é realmente quase pra “lacrar”, com o perdão da ofensa à norma culta e às convenções de bem.
P.S.:
As possibilidades de retaliações não devem ser descartadas.