Finados
O dia de Finados em 2019 foi atípico: amanheceu com alguma nebulosidade, mas logo o nevoeiro se dissipou, o céu ficou azul e o sol brilhou forte e quente durante todo o dia.
Romualdo evitava ir ao cemitério em dia de Finados por conta dos congestionamentos, da dificuldade de encontrar uma vaga para estacionar e do preço exorbitante de qualquer vasinho de crisântemos. Mas o que mais o incomodava era a multidão de pessoas que vagava pelas estreitas passagens dos cemitérios. Encontrava-se de tudo: gente chorando, gente gritando com crianças, gente empurrando para conseguir passar, gente cortando caminho passando em cima dos túmulos, enfim, experiências desagradáveis, para serem evitadas.
Dessa vez, contudo, Romualdo acabou visitando o túmulo de seus familiares, no dia de Finados. Até conseguir se localizar no cemitério, ele já estava exausto por conta do sol intenso e do forte calor. Como ia raramente ao cemitério, uma vez ao ano, no máximo, ele demorou um tanto até avistar a ruela que dá acesso ao túmulo. Quando finalmente conseguiu se espremer para chegar ao túmulo quase teve um piripaque.
Romualdo avistou uma jovem, não mais de 22 anos, loira, em trajes sumários - mesmo para um dia de sol e calor - que, com um corpo ainda invejável estava a polir a grande pedra de mármore marrom que cobria o túmulo. Ele chegou a suspeitar que se havia enganado de túmulo, mas não, não estava enganado: uma fissura na lateral da pedra, no canto superior direito ajudou-o a reconhecer que ele estava no lugar certo. Ele sim, mas essa moça ... o que fazia ali?
Apesar do estresse e do cansaço, Romualdo manteve sua compostura. Afinal, a moça estava polindo a grande pedra. Ele puxou conversa com a moça para descobrir se alguém a estava pagando para aquele procedimento de limpeza. Ela, muito simpática, respondeu negativamente. Então, Romualdo se ofereceu para pagar por seus serviços. Ela agradeceu retrucando que fazia aquilo para si mesma.
A princípio, Romualdo não entendeu o que ela queria dizer com “fazer isso para si mesma”. Seria ela uma voluntária? Uma benfeitora? Uma abnegada que se sentia melhor entre os mortos do que entre vivos? Ele estava decidido a descobrir. Perguntou quantos túmulos ela já havia limpado naquela manhã ao que ela, com espanto, respondeu de pronto: nenhum. Ela não era cuidadora de túmulos; estava limpando e polindo aquela e somente aquela pedra para si mesma!
Não escapou à percepção de Romualdo que a moça era caprichosa. Notou que havia uma mochila ao lado do túmulo. Ela fez pequena pausa e tirou uma garrafa com água, dessas de grife. Ofereceu primeiro ao Romualdo que declinou. Então, ela sorveu um gole generoso, guardou a garrafa e finalizou o trabalho na pedra. Mas o enigma estava prestes a ser desvendado.
Ela retirou da mochila uma grande toalha de banho e a dispôs cuidadosamente sobre a pedra. Tirou uma almofada cuja cor combinada com a da toalha e a dispôs também sobre a toalha. Romualdo estava ficando atônito. Será que ela iria se deitar ali? Aquilo era um túmulo! Com toda a calma ela abriu um pequeno estojo de onde retirou um par de óculos escuros. Pediu licença ao Romualdo e se deitou confortavelmente sobre a toalha, não sem antes se besuntar com uma loção de suave perfume. E assim começou seu maravilhoso banho de sol, em dia de Finados!