Kasparov Vs DeepBlue; nada mais que humano.
Você não precisa estudar toda a história do xadrez ou conhecer seus grandes mestres ou sequer entender porquê eles eram grandes estrelas no passado, dessas que saem em revistas e aparecem na TV. Pra ser sincero, você nem mesmo precisa saber jogar o jogo. Porém o que você precisa saber é que no dia 17 de fevereiro de 1996 a raça humana reencontrou sua dignidade nas mãos de um enxadrista, pelo menos é nisso que todos acreditam. E eu discordo.
O IBM construíra o que pra época seria o mais potente e inovador na área da computação, era uma época onde os computadores eram mais grandes calculadoras que fontes de informação e entretenimento. Embora o DeepBlue pudesse calcular incríveis 200 milhões de jogadas por segundo, ainda havia uma dúvida deveras pertinente: seria a inteligência artificial capaz de vencer um grande mestre enxadrista? Seus criadores estavam confiantes que sim, então fizeram um grande desafio, desafio que chamaria a atenção do mundo inteiro. Eles Desafiaram nada mais e nada menos que o melhor da época, aquele que, até hoje, teria o maior tempo de reinado dentro do xadrez, eles desafiaram o Garry Kasparov. Era o encontro do homem contra a máquina, era a dignidade humana ou sua terrível queda. Em poucas palavras: Kasparov não podia perder.
Eu não farei muito suspense quanto ao resultado; após o Match, e Match no xadrez é o melhor de seis partidas, houvera um vencedor. Ele perdeu a primeira, venceu a segunda, empatou a terceira, a quarta, venceu a quinta e, no dia dezessete, venceu a sexta. E ele era apenas um homem. Depois de todo o alarde, o mundo inteiro pondo em xeque o intelecto humano, um único homem venceu e honrou toda a nossa raça. Céus, eu posso sentir, mesmo vinte anos depois, acho que posso sentir o dia amanhecer no dia dezoito, o ar mais puro, as flores desabrochando mais belas, os lixeiros, os jornaleiros, os carros, as horas, a noite, tudo devia estar um pouco mais brilhante que o possível. Entretanto, aquele dia, aquele cintilante dia, talvez tenha sido o dia em que o ser humano começou a deliciar sua maior derrota.
Digo... porque inteligência artificial não existe, sabe? Não é algo inato, a priori, absoluto, não foi criado por Deus, por Zeus, por Alienígenas, Buda, Lúcifer, Big Bang ou seja lá em quê tu acredite nesta vida. Um computador, um "simples" computador, é apenas um reflexo do homem. Ele pode saber mais que eu, que você, que outros vivos ou outros já mortos, porém um computador não sabe nada que a raça humana não saiba. E é a partir disso que vejo este embate. Pois em dezessete de fevereiro, o Kasparov não se sentou naquela mesa para jogar contra uma máquina, ele se sentou para jogar contra homens - 200 milhões por segundo, pra ser mais específico.
O que quero com isso é dizer que você pode enxergar de duas maneiras tal situação: a primeira é que um único homem foi capaz de vencer milhões que operavam ao mesmo tempo, então isso torna um indivíduo mais do que um indivíduo pareça ser. A segunda, que é como eu vejo, é que 200 milhões de homens operando ao mesmo tempo não foi capaz de vencer um único indivíduo, o que torna a raça humana ainda inferior a menor partícula dela mesma. A busca incessante pelo aprimoramento das máquinas é uma forma do homem compensar suas limitações, transcender pra fora. sendo assim, quando o Kasparov venceu o tão famoso Match, ele matara ali qualquer ilusão de que inteligência artificial poderia ser superior ao homem. Ainda que um dia construam um computador invencível (e talvez até já exista), você precisa ter em mente que ele é limitado pela existência humana, ele saberá somente o quanto a humanidade souber, não haverá nada nele que seja próprio dele, diferente de nós humanos.
Devido a derrota de 96 e após atualizar o DeepBlue, logo no ano seguinte, o IBM pedira uma revanche, foi quando finalmente uma máquina venceu um grande mestre. O problema foi a polêmica no jogo decisivo, onde um lance considerado "burro" para a lógica enxadrista suscitou a dúvida de uma possível interferência humana. Lance que de tão inesperado fez o Kasparov se desesperar e mudar seu estilo durante o Match, e, por consequência, perder! Só dezessete anos depois apresentaram uma explicação: tudo se tratou de um bug da máquina, obrigando-a realizar um lance aleatório para não paralisar num cálculo infinito. Falando de forma clara: a máquina venceu o homem graças a um erro de sua limitação, o que torna este embate ainda mais irônico. O grande embate do homem contra a máquina não nos trouxe absolutamente nada, nada de novo, nada de filosófico e nada de esperançoso. Pois foi o embate das ilusões, do erro, do improviso, um embate humano. Nada mais que humano.
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Há sim indícios de trapaça no segundo Match, e isso aumenta com o fato da explicação só vir 17 anos após... porém, sendo bug normal da máquina ou interferência humana, o argumento do texto contínua intacto: DeepBlue precsou ser um pouco... 'humano' para vencer o Kaspa, hehehe.