Para cada relacionamento um comportamento
(Quarta-feira, nove e meia da noite, no telão, futebol; no balcão, duas "canelas de pedreiro"; e duas mulheres.)
- HAHAHAHAHA!
- O que você tá rindo, sua louca?!
- Sabe o que eu tava pensando? Raciocina comigo!
- Manda.
- Estava fazendo backup no meu celular e encontrei fotos da época da minha faculdade. Tá vendo essa menina aqui?
- Tô.
- O nome dela é Vanessa. A Vanessão. Cara, eu e a Vanessão éramos terríveis! A gente se conhece desde a quinta série, fizemos faculdade no mesmo lugar, mesmo que em cursos diferentes.
- Ahn.
- A gente ia em tudo juntas. Em tudo! Minha mãe só confiava de eu sair se a Vanessão fosse, porque ela já fazia parte da família! Domingão de macarronada com salsicha e Coca-Cola? Vanessão levava a Coca, cara. Ela era responsável pela Coca.
- Certo.
- Aí um dia, ela foi conhecendo mais as novas colegas de faculdade, eu também, e fomos afastando. De trocar mensagem todo dia, passou a ser uma vez por mês e olhe lá.
- E aí?
- E há umas duas semanas mandei mensagem, pois foi aniversário dela, e fazia muito tempo que não falávamos. Estava com muita saudade dos nossos rolês, e sempre no aniversário da Vanessão a gente comprava churros! Chamei para comer churros! Adivinha? Nem respondeu.
- Então...
- Acho que não existe mais aquela amizade, acabou isso. Mas aí que tá a graça. Quando namorei, no dia do término, precisei falar para o outro que não dava mais, que não tinha mais sentimentos, que tínhamos que tocar a vida.
- Onde você quer chegar?
- Amizade é relacionamento também. Mas é um relacionamento engraçado. Quando a amizade acaba, simplesmente um para de responder o outro, ou se encontra na rua, dá um "tchau" de longe. Não tem um olho no olho, não tem um "cara, foi bom enquanto durou, mas seguimos rumos diferentes. Obrigada..." NÃO! Tem só um "vou parar de responder, e que assim fica subentendido" ou "Não tem mais a mesma química na amizade, então só vou ignorar e parar de frequentar os mesmos ambientes..." E assim você já entende que chegou ao fim: ou atura, ou surta.
- Aí enquanto em um namoro você já tem que oficializar isso?
- Exato! E amigos são tão relacionamentos quanto namoros! Só não tem o sexo (ou tem também, vai saber), mas você passa a conhecer a vida da pessoa, a família dela, sabe das alegrias e tristezas...
- É....quanto você já bebeu por hoje, amiga?
- É sério. Sei lá, só pensei agora aqui comigo que amizades são engraçadas. É um relacionamento, só que a gente esquece isso. É amor também, e a gente esquece isso. A gente chora no travesseiro também quando cai a ficha que não vai ser mais como antes.
- Tudo na vida você sabe que tem ciclos.
- Eu sei, claro, mas só acho interessante como críamos uma cultura para cada tipo de relacionamento. Para família, quase nos matamos, mas por conta de ter a mesma genética, digamos assim, nos unimos e vamos a eventos no qual nem falamos com aquelas pessoas ali direito; amizades começam com uma conversa, com algumas saídas, chega a saber tudo da vida da pessoa, e depois de um tempo você só está abanando a mão de longe, como se você já não tivesse visto aquela mesma pessoa, que você cumprimenta sem graça, chorar no seu colo; e em namoro você tem etapas e processos, quando começa a ser chamado disso ou não, e quando acaba você também fala que acabou. É só engraçado.
- Para cada tipo de relacionamento, um comportamento.
- É. Ser humano põe rótulo até em como vai sentir o amor pelo outro, o quanto pode sentir, a partir do que oferece ou não.
- Entendo. Vai, pensa que eu sou a Vanessão.
- Oi?
- Eu sou a Vanessa. O que gostaria de falar para ela?
(Ajeita o banco alto do bar)
- Ok...vamos lá: Oi, Vanessão.
- Oi.
(depois de uma longa conversa de desabafos sobre saudade, sentimento e o real significado de ocuparmos o planeta terra, se é que tem algum significado para isso, e finalmente uma despedida, no qual agradecia por tantos anos compartilhados ao lado da amiga)
- Então é isso, Vanessão, obrigada.
- De nada... Se sente melhor?
- Anestesiada, diria.
- Um bom sinal, já. Agora já acabou até o jogo, gata, vamos embora? Amanhã estou até vendo o Henrique falar lá no trabalho que a gente tá com cara de morta.
- Foda-se ele! HAHAHAHA. Vamos!
(o outro dia foi mais um dia, como todos os outros, cheios de ciclos, que começam e terminam. Muitos com despedidas programadas, outros não. E está tudo bem.)