HÁ FÉ TAMBÉM NA OCA

“...Oooomm!” Nos murmúrios não há argumentos.

O que se presencia não é a fisionomia carregada de um beduíno, o ar sisudo de um ermitão ou a placidez de um monge hare krishna.

Pajé bota unguento na ferida. Ele tem sabedoria advinda dos espíritos ancestrais. Aspira fumaça e expele saliva. Num sussurro longo e plangente faz a dor se extinguir - O cunuminzinho desperta curado.

Os espíritos falam direto aos ouvidos da plebe: deus das matas, deus das serras, deus das lagoas e dos igapós ali presentes quando o Pajé invoca. Toda a tribo num só clamor os invoca.

Elucubrações, vibrações, desejos, medos e sensações as mais exóticas. Um couro entoa pela maloca. São entonações que não constituem palavras, desejos renhidos, não proferidos com o aparelho fonador, apenas com a alma. E aí a alma transmuta, revela-se muito mais translúcido quando não se vislumbra sua aura.

O chefe não é, necessariamente, o mais idoso da maloca. É o mais respeitado e sábio, mesmo que seus caprichos possam conduzir todo o povo à hecatombe.

Todos morrerão conscientes. Obedecer é preciso também à beira da tumba, onde também há respeito e predileção.

Antes um morto cônscio, leal às suas características culturais do que um povo vivo estúpido, sem dignidade, sem rumo.

Se for preciso toda a maloca vai cair no despenhadeiro. Porém, vai submissa, disciplinada e convicta da honra paternal e da ética que reinou sobre o clã.

Joel de Sá
Enviado por Joel de Sá em 28/10/2019
Reeditado em 28/10/2019
Código do texto: T6781041
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