HÁ FÉ TAMBÉM NA OCA
“...Oooomm!” Nos murmúrios não há argumentos.
O que se presencia não é a fisionomia carregada de um beduíno, o ar sisudo de um ermitão ou a placidez de um monge hare krishna.
Pajé bota unguento na ferida. Ele tem sabedoria advinda dos espíritos ancestrais. Aspira fumaça e expele saliva. Num sussurro longo e plangente faz a dor se extinguir - O cunuminzinho desperta curado.
Os espíritos falam direto aos ouvidos da plebe: deus das matas, deus das serras, deus das lagoas e dos igapós ali presentes quando o Pajé invoca. Toda a tribo num só clamor os invoca.
Elucubrações, vibrações, desejos, medos e sensações as mais exóticas. Um couro entoa pela maloca. São entonações que não constituem palavras, desejos renhidos, não proferidos com o aparelho fonador, apenas com a alma. E aí a alma transmuta, revela-se muito mais translúcido quando não se vislumbra sua aura.
O chefe não é, necessariamente, o mais idoso da maloca. É o mais respeitado e sábio, mesmo que seus caprichos possam conduzir todo o povo à hecatombe.
Todos morrerão conscientes. Obedecer é preciso também à beira da tumba, onde também há respeito e predileção.
Antes um morto cônscio, leal às suas características culturais do que um povo vivo estúpido, sem dignidade, sem rumo.
Se for preciso toda a maloca vai cair no despenhadeiro. Porém, vai submissa, disciplinada e convicta da honra paternal e da ética que reinou sobre o clã.