Esqueceram de mim
As histórias, contos de fadas e romances não foram criados para mim, pois nenhum personagem representa-me. As princesas têm sangue azul, e o meu é vermelho. Moram num palácio suntuoso com criados e objetos mágicos, mas a minha casa é da caixa econômica, se eu parar de pagar o financiamento, ela toma.
A única empregada sou eu, os demais entraram no CAGED, RAIS e Seguro-desemprego. Nenhum objeto que tenho transforma-se em tapete voador, muito menos, em carruagem. Todos são reformados e comprados na liquidação, muitas vezes, na promoção relâmpago. Não uso vestidos, raramente, em cerimônias sociais. Minhas roupas são básicas, não têm marca, só uma etiqueta normal.
Minha cútis é rosada, mas minha derme não é branca como a neve, ela é desbotada. Meu corpo não parece um violão, nem guitarra, nem nada. Também, não sou magra do tipo europeu, tenho umas partes avantajadas, herança de minha mãe África. Os meus olhos não são da cor do mar, tampouco os meus cabelos lembram os girassóis da Rússia, eles são frutos de um povo guerreiro, da tribo tupinambá.
Dos espanhóis e portugueses, a miscigenação, não quero ressaltar. Nunca vi um príncipe encantado, conheci muitos sapos, todos, um dia, foram girinos. Homem algum jurou-me amor eterno, até que a morte nos separe é promessa de botequim. Nunca fiquei presa numa torre para ser resgatada, os heróis que conheço são anônimos, malmente salvam a sua pele, que dirá a minha. Também, não preciso de cavaleiro montando em seu alazão, pois estão em extinção. Aprendi a me virar sozinha, gênero não é solução. A única riqueza que tenho é a vontade de viver, pois desde sempre trabalho para manter-me em pé.
A esperança é minha fada madrinha, a caneta, varinha de condão, o transporte em massa, minha condução. A comunidade é o meu reinado, e o político, meu dragão. Minha armadura é a consciência, o resto é ilusão.