Beleza Azul Caneta
Hoje o céu de União dos Palmares está "Caneta Azul-Azul Caneta”, como diz a música do momento. Está belo, um belo insofismável, dominical, cheio de calor e da tristeza que enlaça as coisas belas, pois, como dizem, as coisas belas são sempre tristes. Daí que os desconhecedores de tal premissa ignoram os risos dos ébrios, os abraços dos loucos, os enterros dominicais — e continuam alheios às belezas do mundo.
Sob este céu Azul Caneta segue um cortejo fúnebre, lúgubre e doloroso, em direção ao Campos Santo dos Palmares, onde o coveiro o espera. A cova está pronta, os salmos reservados e a pá do senhor coveiro apta a selar, sob este céu Azul Caneta, a ida de mais um dos nossos mortos. As lágrimas, os choros, os suspiros, a palavra do Senhor este céu Azul Caneta e dominical não conterá, pois sabe, como o sabem os ébrios, os loucos, os mortos dominicais, que as coisas belas são sempre tristes.
Ao fim do enterro, sob este céu Azul Caneta, os jovens se dissiparão, apressadíssimos, cada qual para as suas urgências urgentes, deixando para trás os velhos, já aposentados e desprestigiados pelo Mercado, que lhes reservará os bancos das praças para aproveitarem este céu Azul Caneta. E assim, esses velhos, após terem certeza de que trancaram as portas de casa com duas voltas na fechadura e deixando de lado a tagarelice e inquietação habituais, aproveitarão este céu Azul Caneta e os bancos de cimento para tirar cochilo atrasado, roncos sonegados, as insônias provocadas pelo barulho das buzinas e sirenes. Pelo menos até um cachorro, desses que conhecem tão bem as belezas das coisas tristes, regar-lhes as canelas e em seguida esconder-se por detrás deste céu Azul Caneta.
Esses velhos acordarão do cochilo público, olharão para os lados e para baixo; não encontrarão vestígios de chuva, mas as canelas estarão molhadas. E, após cuspirem no chão, dirão: "Como é possível chover diante de um céu Azul Caneta? Na minha época..." E lá se vai, em meio a monólogos e divagações insofismáveis, uma parte do domingo sob um céu Azul Caneta. A outra parte vai ser gasta nas redes sociais, nos bancos dos coletivos, nas igrejas de Cristo, nos estádios de futebol, nas delegacias de polícia, nos presídios lotadíssimos, nas cozinhas de casa de família, nos quartos dos motéis, nas filas dos caixas eletrônicos, na beleza nada Azul Caneta do mundo dos vivos.