Sobre datas e datas

Não sei a quem possa atribuir a máxima segundo a qual o que mais entristece nas dedicatórias são as datas. É dessas pequenas frases que recolhi, guardei e – levando-a em consideração – me resguardei de contrariar alguém lá no futuro, visto que testei a eficácia da mensagem revendo cartões e fotos antigas a mim endereçados.

Desde então, nas poucas vezes em que pude deixar a marca de minha assinatura em uma dedicatória qualquer, procurei, quando possível, deixá-la atemporal... Quem a ler um dia, saberá que foi em algum dia – focará a mensagem e não haverá de se entristecer ao constatar a mais inexpugnável das marchas – a marcha do tempo, necessária à nossa transmutação, ainda que desfrutemos pouco das bem-aventuranças da vida.

O curioso é que não só os que já têm estrada parecem sentir essa sensação. Os mais jovens também – com seus celulares poderosos, que documentam tudo! – debruçam-se sobre fotos, que para os mais antigos seriam recentíssimas, e se amarguram com a data que elas estampam.

A verdade é que a finitude corpórea incomoda do mais jovem ao mais velho (não nessa ordem, é claro!), do mais simples ao mais aguçado no raciocínio e na reflexão. Saramago, em entrevista, disse certa vez que sua mãe não tinha medo de morrer, tinha pena, muita pena certamente. Afinal, viver é tão bom. Se não me engano, Chico Anysio se valeu dessa mesma imagem. Drummond, também em uma entrevista, já octogenário, disse que a sensação era de que tudo tinha passado tão rápido, num piscar de olhos. Oitenta anos era tão pouco – diria eu.

E acho mesmo que por trás desse sentimento de incômodo com as dedicatórias está uma preocupação (in)consciente com a nossa humana perecibilidade física – preocupação saudável que haveria de nos fazer sempre seres humanos melhores, não necessariamente teístas, pois há tantos ateus que agem como verdadeiros cristãos.

Datas expressas ou inexpressas, não há como fugir delas, sobretudo as muito marcantes; ainda que percamos a exatidão do dia e da hora, a efeméride ficará marcada para a vida inteira, naquele que tiver a (in)felicidade de uma saúde neurológica longeva.

Essa marcha, esse caminhar é mesmo um convite patente a que não nos descuremos sobretudo de nossa formação interior para que, vistas as datas, possamos nos abstrair delas e desfrutar dos momentos que nos ensejaram felicidade ou aperfeiçoamento.

O que mais aguça a saudade em um bilhetinho guardado, em um antigo cartão de Natal, em uma troca de mensagens entre apaixonados, em cartas entre amigos, enfim, é mesmo aquela marcação cronológica, que conecta o passado ao presente. O leitor, mais viajado em anos, pode pegar aquele velho arquivo e colocar suas emoções à prova...

Tenho, como disse, me resguardado das datas, mas sou cônscio, também, de que o faço com um pouco de prejuízo para minha singela história. O que seria a história sem datas? Acho mesmo – e o digo por mera intuição – que muito do trabalho dos historiadores deva ser situar no tempo documentos que, por motivos vários, não trazem uma indicação precisa da época em que foram produzidos.

Na internet mesmo – essa maravilha da modernidade –, nem sempre encontramos a datação em que os documentos foram divulgados, dificultando os pesquisadores.

Não é o caso, por exemplo, deste Recanto das Letras, que marca com precisão a data de nossas contribuições, favorecendo pesquisadores e mesmo autores não muito organizados, que poderão se valer do site para autoanálise e autorresgate de suas contribuições, quer falem de datas históricas, quer falem de datas que inspirem saudades...