Câmeras

Sei lá...

Todo mundo parece tão conectado todos os dias.

Os pássaros cantando.

Os casais felizes.

O horizonte virou uma grande tela que sempre me relembra o quanto sou dispensável e passa na minha cara que nunca (NUNCA) poderei estar enquadrado numa daquelas ali.

E por quê?

Antes, eu acho que você precisa saber quem sou eu.

Costumam me chamar de Fernando, tenho 25 anos, todavia, ao contrário da grande maioria de adultos com suas próprias famílias, eu ainda moro com meus pais.

Pelo menos, convivemos sob o mesmo teto.

Digo isto, pois quando escrevo a palavra “família” no google, vejo a um senhor de mãos dadas com uma criança, sorrindo felizes com os pés na água. Outra vez, curti uma foto de uma amiga enquanto ela me falava sobre a cachoeira onde passou o carnaval com o pai dela.

Não é que eu não o amo, mas não temos aquela ligação como nos filmes quando todos conversam durante a janta e viajam no fim do ano.

Para falar a verdade, eu nunca sei como foi seu dia, como também, ele nem imagina qual a minha comida favorita.

A minha mãe... Uma fúria de raiva.

Ás vezes, eu a pego chorando e resmungando como lhe estraguei a vida e a aprisionei num casamento que ela nunca gostou.

Contaminado pela tristeza, eu recuo calado, pois não é como se eu quisesse existir, sabe?

Abandonando minha casa, passo a chave e deixo aquela história que nunca serviria para uma série ali.

E, aos poucos, tento me encaixar na câmera de alguém.

Eu só queria ser contaminado por aquela felicidade.

Uma única vez, tirar foto sorrindo.

Mas quando tento, argumentam que pareço assustado, forçado, fingindo.

Chutando a pedra na sarjeta, talvez, eu nunca tenha nascido para participar de um destes tantos filmes ou ser enquadrados por estas estranhas câmeras.

As pessoas alérgicas a chocolate são o aviso da existência que nem todo mundo pode ser feliz, mas, outro dia, meu amigo postou uma foto com uma barra de sabor semelhante e... Certamente, o problema é comigo.

Acho que sou uma peça quebrada, adulterada e sem encaixe, abandonada para contemplar a alegria deste confuso mundo belo.

Sentando na sarjeta e permitindo que a tela do horizonte me mostre novas notificações, passo a tarde distribuindo corações pelas alegrias alheias, e, parece que somente o meu não merece ficar vermelho.