Como saí do armário.

Oficialmente saí do armário. Foi difícil encontrar espaço para a escritora que me pretendo ser. Mas, agora vejo, na linha do horizonte de meus pensamentos, se formarem ilhas e mais ilhas inexploradas de minhas futuras estórias.

Desde criança sou afeita à escrita. Comecei nas aulas de religião e quando dei por mim, percebi que adquirira o hábito de rimar tudo o que via: a lua, as árvores, pipas a dançar no céu, gatos a saltar nos muros, dentre tantas outras coisas cotidianas.

À medida que fui crescendo, fui me inspirando em primeiros amores e meu eu–poético chegou em seu auge. Me tornei toda sensibilidade: desenhava, cantava e escrevia. Uma possível artista: é o que cogitava ser.

Mas, o mundo enclausurante, do método escolar no qual vivemos, me obrigou a focar em matemática, história, física, dentre outras matérias necessárias à aplicação da prova para entrar na faculdade. Tinha que empregar minha mente no que me desse futuro. Se eu gostava de escrever, que “fechasse” os pontos da prova de redação. Se gostava de desenhar, que usasse isso pra algo pragmático, alguma coisa que me fizesse ganhar dinheiro. Por isso, meu primeiro vestibular foi pra arquitetura. Não passei.

Comecei a trabalhar no comércio e quando, novamente, resolvi prestar exames pra conseguir uma vaga na universidade, escolhi filosofia. Na filosofia aprendi a pensar “certinho”, longe das opiniões infundadas do senso comum. Não existia espaço pra arte no departamento de filosofia. Salvo o artesanato de miçangas que fazíamos pra vender, a fim de conseguirmos dinheiro pra custear nossas calouradas. Lá sim, mostrávamos habilidade na arte de combinar vinho com música.

Depois mudei de curso. Resolvi ser administradora e deixei totalmente a escrita de lado. Nem diário eu tinha mais. Que dirá desenhos. Mas, tomada por uma abstinência literária, anos depois, saía sorrateira com papel e caneta e escrevia meus textos na clandestinidade. Sem espaço de existir e sem razão de ser como escritora.

O eu-poético sempre existiu dentro de mim, mas era difícil me assumir, achar espaço pra me expressar e, mais complicado ainda, achar quem quisesse me ler. Eu mesma não gostava do que escrevia. Essa autocrítica ferrenha e minhas constantes atitudes de auto sabotagem, me fizeram ficar as escondidas até os trinta e sete anos de idade.

Queria ser vista como uma mulher bem-sucedida, com cargos de liderança e pós-graduação. Não como uma simplória escritora. Porém, um belo dia, olhei tudo a minha volta e refleti sobre a caminhada: “Por que, não?” Pensei.

Vou trabalhar. Vou prosperar. Mas, também, vou batalhar por um espaço pra minha sensibilidade, pra minha arte de escrever. Assim dei um ponta pé na porta do meu armário e agora sou contista, poetisa e cronista assumida.

16 de setembro de 2019.

Andréa Agnus
Enviado por Andréa Agnus em 23/10/2019
Reeditado em 26/10/2019
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