O Lada Laika e a nostalgia
Olhei pela janela do escritório e vi um Chevette prata provavelmente fabricado entre o fim da década de 80 e começo de 90. Tava bem conservado o danado.
Lembrou-me, claro, a infância. Entre os carros que meu pai dirigiu, além do Chevette (que era de um belíssimo marrom) também figuram o Voyage, o Fiat 147, o Monza, uns dois modelos de Gurgel, o velho Fusca, a Kombi (bem antes de virar modinha), o recém lançado Fiat Uno, o Fiat Elba (eu amava o Elba!), o Gol chaleira e o Lada Laika e, por este último, eu tenho um carinho muito especial.
Os Lada vieram ao Brasil no começo dos anos 90, por conta da queda da cortina de ferro que deu fim à União Soviética em 1991. Não sou especialista em carros, portanto não farei aqui um tratado técnico sobre estes lindos monstrinhos quadrados. O meu amor pelos Lada vem ancorado pelo meu amor àquela época.
Havia tanta esperança! Tínhamos eleito o primeiro presidente em décadas, eu tinha mudado de escola e estava no que se chamava de Ginásio, vivia apaixonado por uma ou duas meninas da sala que nunca me davam bola, tirava notas boas em desenho geométrico e matemática, jogava (muito mal) bolinhas de gude, jogava (igualmente mal) basquete e futsal e brincava de pique-esconde só para correr atrás das menininhas que eu gostava. Adorava meu Hi-Top Game, um Nintendo 8 Bits genérico, e meu Mega Drive. Tinha o Nirvana e o Guns ‘n Roses e o Metallica e o Faith No More e o R.E.M e o rock era o máximo da música! Depois de um tempo, já ia para a escola sozinho com meu primo, sem pais e nem nada. Era uma liberdade e eu nem tinha 15 anos!
Mas de vez em quando, meu pai nos trazia para escola no Lada Laika e era uma perua ainda por cima! Um carrão que tinha até limpadores de neve nos faróis, pois ele era importado direto da Rússia, sem adaptações ao mercado e ao clima brasileiros. Portanto, os bancos eram aveludados e o carro conservava um calor tremendo nos dias de verão. Mesmo assim, eu ficava tão feliz de chegar na escola em um dos novos carros que invadiam o mercado nacional da época. E era o mais perto que poderíamos chegar da antiga União Soviética e da nova Rússia que surgia. Eu não fazia uma ideia muito precisa de tudo que estava acontecendo naquela época e eu via o Lada apenas como uma destas metas que as crianças se colocam inocentemente, “quando eu crescer, quero ter um carro assim”.
É engraçado como eu relaciono um carro à minha infância, pois todos estes carros que eu disse que meu pai dirigiu não eram dele. Eram da empresa onde ele trabalhava. Nós nunca tivemos carro até o começo dos anos 2000, que foi quando ele pode comprar seu primeiro automóvel, um Fiat Palio azul marinho. E, de fato, eu nunca fui um fanático por carros (a não ser de corridas), e a relação da minha família com eles sempre foi de necessidade, uso e devolução. Meu pai precisava do carro para trabalhar e a empresa dava o carro pra ele. A gente aproveitava o carro para ir no supermercado e, quando era caminho, ele nos levava para escola e depois ficávamos um tempo sem, andando a pé para tudo.
Por isto, esta paixão por alguns carros, especialmente pelo Lada Laika está ancorada em memórias de infância e, por mais que sorrisos surjam automaticamente no meu rosto quando eu vejo um destes dinossauros circulando, não passa mesmo da boa e velha nostalgia.
(Mas se eu tivesse uma grana sobrando eu comprava, sim).
P.S.: não sei se meu filho vai amar carros. Eu não tenho fotos de criança perto de carros ou dentro deles, como muitas crianças têm e eu não nutro idolatria pelas máquinas. Se ele gostar, vou contar a ele esta historinha dos carrinhos soviéticos que vieram ao Brasil só para fazer o pai dele sonhar, pela primeira vez, com uma vida sobre rodas.
JEFFERSON FARIAS