VOU FRITAR BATATAS !


                            (Pequenas crônicas do cotidiano)
                                          22/10/2016


Uma vez mais, saí por aí para uma caminhada.
A tarde era fresca e o vale contorcia-se como tentando livrar-se de uma bruma leve que o agasalhava.
[ Algo como fiapos de tule encardido e amarrotado entre o casario ]
Janelas arredias atrás de pessegueiros,espiavam encabuladas a estradinha de chão batido.
Um cavaleiro solitário,o velho “Senhor das tardes” empurrando sua bicicleta...Seres tão anônimos quanto eu, imersos na lassidão das sobras de um dia umedecido da chuva que caíra a pouco.
Silêncio de pedra e apesar da beleza de nuances na linha do horizonte, impossível era não admitir uma certa melancolia andante pelo espaço.
O odor fétido dos estábulos, rendendo-se ao o arfar dos eucaliptos, entregava os pontos.
Rendia-se ! Misturava-se, pedia arrego ,e de comum acordo incensavam a tarde que agonizava.
Debruçada a um portão de ripas, um perfil feminino de idade aparentemente avançada, sugeria a personificação de uma solidão mergulhada na tarde pastosa cheirando à feno e terra molhada.
O olhar parecia buscar uma resposta, uma explicação...
[ Impiedosa, a boca da noite mastigava-lhe as mais secretas divagações ]
Eu, no trecho...
A janela entreaberta na casa da velha senhora, enquadrava entre paredes rústicas, a tela de uma TV ligada. Andava pelo ar um cheiro tentador de batatas fritas e isso arremessou-me à longínqua cozinha de minha infância.
A cépia do tempo foi retomando conhecidos olhares que se cruzavam ao redor da mesa , na pouca luminosidade daquela casa que dava o tom ao aconchego,ao encontro da família, aos relatos do dia, aos planos para o amanhã.
Era um tempo em que ingeriam-se frituras sem o menor sentimento de culpa e nem haviam “vigilantes” para censura-las ou induzirem a alimentar-se de sementes.(Coisas de passarinho).
O trivial vinha à mesa, acompanhado de alguma saladinha oriunda do quintal, respingada à limões colhidos entre os galhos por onde os galos ,albergados, dilaceravam nos bicos o frescor das madrugadas.
A carne, geralmente de porco, armazenada numa lata de 20 litros, era acompanhamento indispensável.
( Geladeira? Freezer?...Só os ricos possuíam)
E, de repente, eis-me aqui em minha caminhada da tarde, seduzido por estes odores numa boca de noite a morder-me em memórias de tempos distantes, de hábitos tão combatidos neste mundo de modernidades que determina o que devemos fazer, como devemos proceder.
Como diria uma pessoa muito especial em minha vida (aquela que fritava as batatas na cozinha de minha infância), o bom da vida : "É não encasquetar".
Assim, decidido, ao chegar em casa, não encasquetarei.
Vou fritar batatas !


                      Joel Gomes Teixeira