Como revi Altimar Pimentel
Foi exatamente sábado passado, quando atendia ao convite do Governador João Azevêdo à inauguração da excelente reforma que ele realizou no Teatro Santa Catarina, na portuária Cabedelo. Os discursos nos disseram que este tinha empregado cinco milhões de reais para ter feito aquela maravilhosa obra, embelezada com um painel do artista plástico Clóvis Dias. Logo após essas falas, também elogiosas à política cultural do Governo do Estado, deu-se início à peça “Alegria dos Náufragos”, apresentada por Rafael Guedes, Cely Farias e Thardelly Lima e muito bem dirigida por César Ferrario e Giordano Castro, que versa, por um bem construído diálogo entre os três, sobre o sentido da vida, da angústia aos momentos felizes. Antes da encenação, no lado externo do Teatro, o grupo Tambores do Forte prestou homenagem ao Grupo de Teatro Experimental de Cabedelo (Teca), que sempre reivindicou aquele espaço, através do Padre Alfredo, de Altimar Pimentel e de Raimundo Nonato, então Secretário de Cultura do Governo Wilson Braga. Na cerimônia, a viúva Cleide Rocha muito falou do seu Altimar, que também foi lembrado como fundador do Grupo Teca e expressivo escritor dramaturgo.
O contemporâneo e confrade na Academia Paraibana de Letras, Altimar Pimentel (30/10/1936 a 21/02/2008), está para a teatrologia em Cabedelo, assim como o famoso dramaturgo Calderón de la Barca (1600 a 1681) para o então teatro em Madri, na Espanha. Comuns entre si pelo amor ao teatro e quanto à genialidade de criar, de escrever e de fazer a arte teatral, inclusive com as características de modernizá-la, cada um em seu tempo, com a “diminuição de personagens e a verdade humana dos caracteres”. Sempre fui perseguido por esta comparação por ter estudado Calderón de la Barca, no Seminário (anos sessenta), quando Valdez ensaiou e dirigiu a peça “O grande teatro do mundo” (El gran teatro del mundo), e esta obra ficou sob minha permanente admiração. Sobretudo quando se fala de teatro, manifesto imediata predileção por ela e pela nossa “Vau da Sarapalha”. Semelhante admiração faz com que eu compare o admirado Calderón e o admirável amigo Altimar.
Nesse sábado, de repente, por trás de Thardelly, Cely e Rafael, eu vi Altimar Pimentel, inicialmente sereno e, depois, por várias vezes, soprando o texto, quando um desses três retomava as decoradas palavras do longo texto, que eram muitas. Incansável como sempre, lá estava Altimar de volta ao Santa Catarina que sempre ele amou; ora no meio do palco, ora perto da cortina, mas nunca na frente dos atores ou da atriz; contudo, para mim, roubando-lhes a cena. Tive até intenção de cochichar com o amigo, o proverbial Gumercindo Rodriguez, com quem já tivera refletido: “Quem tem medo de alma acredita muito que ela existe” ...
No livro “Assombrações do Recife Velho”, Gilberto Freyre deixa claro que os espíritos sempre voltam aos lugares, onde viveram seus corpos. Daí, tais páginas gilbertianas sobre as almas dos holandeses retornando, de madrugada, para reverem o Recife de Maurício de Nassau. Agora, certamente, o próprio Gilberto Freyre deve aparecer em Apipucos ou nas ruas de Casa Forte; com rapidez, indo ao Ponto Zero, de onde vagueia, deliciando-se com o Centro Histórico recifense, e até andando sobre as águas do rio Capibaribe. Foi por força dessas qualidades de Altimar que consegui revê-lo, parecia vivo, naquele dia de festa do Teatro de Cabedelo. Assim, também ele deve aparecer na APL, conversando com Ascendido Leite e com Francisco Pereira, de Nazarezinho e ex-vigário de Conceição. E, quem sabe? - com José Lins, com Ariano ou com o poeta Augusto dos Anjos. Na saída, depois disso e de tudo visto, evitei comentar essas “visões” com o Governador para ele não pensar que seu auxiliar estaria a perder o juízo... Mas, como entrar ao Teatro Santa Catarina, sem rever Altimar?