Zé Maria, o inquilino
Recordo de um cidadão, José Maria. O chamavam Zé Maria, nome abreviado. Praticamente todo José Maria acaba virando Zé Maria. Ganhava a vida como autônomo, vendedor.
Não sei informar o que vendia, qual produto, qual serviço seria. Carregava uma pasta, camisa manga comprida. Magrinho.
Sua mulher, uma morena bonita, se chamava Júlia. Eles moravam numa casa alugada, próxima à minha.
Brigavam muito, principalmente nos fins de semana. Zé Maria tomava uns tragos de cachaça e não se sabe quem começava o bate-boca.
Atrasava o aluguel dois, três meses. Assim contava o proprietário, um português de nome Henrique, já falecido.
Mas ele (Zé) dava um jeito, corria pra cá e pra acolá, arrumava dinheiro e quitava o atrasado. E novamente atrasava – era rotina isso.
O tempo correu, passou. A vida do casal não deu mais certo. Zé Maria procurou Seu Henrique. Foi avisar: iria embora. Entregaria o imóvel.
------- O que houve, Zé Maria, por que vais embora?
------- Nada não, Henrique, não houve nada. Nos separamos, eu e Júlia. Ela foi morar com a mãe.
E prosseguiu: ------ Vou para outra cidade, no nordeste. Tenho um parente lá. Tentarei minha sorte por lá.
Zé Maria lembrou que devia um mês de aluguel. Apenas um. Menos mal.
------- Seu Henrique, lhe devo um aluguel, um mês. Não tenho dinheiro agora, mas garanto, venho quitá-lo. Logo que arrumar o valor volto, vou lhe pagar. Lhe garanto...
O português o olhou, coçou a cabeça. Disse: ------ Tá bem, Zé, confio em ti. Olha, gosto de você, você é pessoa humilde, mas sincera, honesta. Vá, te desejo muita sorte.
Despediu-se do português. Foi embora. Henrique ficou imaginando: ------ Ele não mais voltará aqui. Só para pagar um aluguel.... Claro que não.
Nada disso. Quase dois meses depois, eis que Zé Maria bate na porta de Seu Henrique. Um sábado, fim da manhã.
Dona Eneida, mulher do português, vem atender. ------- Seu Zé Maria, que surpresa! O que você deseja?
------ Nada não. Seu Henrique está? Ele perguntou.
------ Está sim. Entre, vou chama-lo.
O português o viu, admirou-se. ------- Zé Maria, tudo bem?
-------- Tudo bem. Seu Henrique, trouxe-lhe o dinheiro do aluguel, aquele mês que estava pendente...
O português ficou grandemente surpreso. Nunca esperava receber o aluguel. Não, nunca.
Afinal, quem voltaria, dois meses depois, longe, morando em outra cidade, para fazer isso, pagar um aluguel, nem morando mais na casa?
Seu Henrique, comovido com a honestidade do antigo inquilino, disse: ------ Nada disso, Zé Maria, deixa pra lá.
------ De forma alguma, respondeu ele, morei na sua casa um mês, de graça. Nada disso, tome o dinheiro.
Henrique pensou um pouco. E propôs:
------- Façamos o seguinte: ficarei com a metade. E não discutamos mais – essa a decisão do português.
O antigo inquilino aceitou. E assim foi feito.
Henrique perguntou-lhe: ------ Zé Maria, não viste mais tua ex-mulher, a Júlia?
------ Não, nunca mais a vi... Você a tem visto?
Henrique respondeu-lhe: ------ Não. Não a vejo desde que vocês se deixaram.
Despediram-se. Zé Maria foi embora.
Os dois nunca mais se viram, nunca mais.