Lições de Sofia
Hoje aparentava um dia prosaico. A monotonia de ontem, anteontem, semana passada.
Sol, chuva, quente, frio, pouco me interessava. Tudo desprezava!
Como todos os dias, saí para comprar o bendito maço de cigarros no bar da esquina: Encontro dos mendigos e desvalidos.
Uma caminhada, mais ou menos, quilômetro e meio, entre faróis e carros, topando em gente, tropeçando no meio-fio.
Subitamente, uma voz:- Ei! Você está indo ao bar?
Era uma garota de vinte e poucos anos. Sim, repliquei!
Posso acompanhá-lo? Refleti: ????
Vamos lá!
Você cruza todos os dias por aqui? Perguntou a garota.
Sim...Sim...respondi, monossilábico.
Meu nome é Sofia! Gosto muito de conhecer pessoas, trocar ideias, para não cair na rotina do silêncio.
Rotina do silêncio? Indaguei.
É aquela coisa do dia a dia em que ficamos olhando o tempo passar! Sem soltar um "A", que termina no Sol poente e a gente reclamando de dor nas costas, na cabeça em busca de um chá disso ou daquilo!
É aquele ditado de sempre: - Sozinho cada um em seu deserto.
Coisa de família que apenas se junta em velório!
Deu para entender?
É... Naquele momento o mundo que estava parando, parou de vez e objetei:
Garota! Você parece ter 40 ou mais primaveras.
Não, não! É você que carrega essa idade com você e hoje vive morto no presente! Respondeu num fôlego a garota.
Mas nem me conhece! Exclamei. Conheço sim, e retratou:
Todos os dias você passa por aqui; para naquele farol; anda cabisbaixo; às vezes resmungando; olhando no horizonte , nem o sino da igreja chama a sua atenção!
Quando passa uma pessoa pouco olha, não diz nada e até desvia como estivesse fugindo!
Eu sou testemunha! Ontem você esbarrou em mim e de costas gaguejou chocho.....desculpe!
Viu! O conheço melhor do que você!
Na volta do bar nos despedimos: Até amanhã e espero vê-la novamente!
Até... findou a garota e se foi.
Quando cheguei em casa a ficha caiu! Ela tinha razão: Sou um autômato; desconhecido de mim mesmo; egoísta, talvez?
Algo me fez voltar ao bar. No caminho, perguntei a uma senhora se tinha visto uma garota, assim ou assado.
O senhor está falando de Sofia?
Sim, respondi jovial!
Olhe... agora pouco ela foi transferida.
Transferida? Indaguei.
Sim! Respondeu a senhora. Ela trabalha no "AR".
"AR".... o que significa "AR"?
Ela faz parte dos Anônimos de Rua.
Ajuda àqueles que passam nas ruas desolados da vida! Calados, sem sorrir, sem nomes, que sequer dão um bom dia ou acenam a mão a seus próximo e passam como fantasmas.
Então... Sofia não existe? Respondi perturbado.
Claro que existe! Pelo seu semblante, penso que o senhor deveria atar as duas pontas de sua vida e repensar. Tenha uma boa tarde e dê um bom dia a primeira alma que tropeçar em sua frente. É o beabá da vida! Sofia ficará feliz pelo dever cumprido.