À BEIRA DO PARTO
 
Às vésperas de lançar mais um livro, eu me encontro, como diriam os pais, em suas eternas primeiras viagens: “Estado permanente de tensão”. São muitos detalhes para deixar a obra no ponto certo, para que os leitores tenham, por ela, o carinho, a atenção e o apreço que o autor teve durante a sua gestação.

Eu costumo dizer que a parte mais fácil de um livro é escrevê-lo, já que, basicamente, a única coisa que implica é a disposição para passar longas horas, dias e meses, no silêncio de seu escritório, bem como o uso do dom que Deus lhe deu de criar e dar formas aos seus pensamentos.

Por outro lado, o restante do processo é, de fato, um caminho cheio de tortuosos espinhos e de sacrificados dias de espera. Dar forma a um livro é um processo que requer paciência, criatividade e perseverança para ir e vir em suas tomadas de decisões. É a desconstrução constante de partes daquilo que se escreveu, para tentar chegar a novos caminhos e descobertas. Entretanto isso não significa começar do zero tudo aquilo que foi feito, mas sim repor as partes desconstruídas com novas ideias, procurando dar um novo encaminhamento de percepções, a fim de encaixá-las naquilo que se chama corpo do texto.

Mas, tudo isso é apenas a parte que te cabe deste latifúndio, parafraseando os versos de João Cabral de Melo Neto, tão bem cantados por Chico, pois o caminho tende, a partir do término do texto pronto, a prosseguir em um verdadeiro cortejo que sombreia um caminho doloroso, quase sem fim, com pequenos intervalos de sublime euforia. Caminho doloroso, pois, a partir do filho gerado, porém não nascido, os antojos da gestação passam, primeiro, por uma completa revisão profissional, para saber se aquela gestação está de acordo com os princípios preconizados na literatura e, portanto, se o parto será feito de forma natural, receitando-se apenas pequenas doses homeopáticas de concordâncias, vírgulas aqui, uma crase ali, uma interrogação acolá e se todos os parágrafos estão vinculados e coerentes com o pensar de seu criador. E é longo e quase interminável, porque o vai e vem dos cuidados sugeridos – e que tendem a tornar os dias para o parto uma verdadeira corrida contra o tempo – implicam uma cuidadosa diagramação que, embora retrate tudo aquilo já sedimentado, requer o dobro de atenção, para evitar as estrias, o excesso de peso e o desejo de querer transformar o simples no duvidoso.

E é neste acompanhamento gestacional que dois extremos se encontram: o desejo e o abuso, já que caminham juntos, cada um querendo ditar o seu ritmo. O desejo é de que tudo dê certo e o filho nasça sadio, disposto e nutrido; de abuso porque, nesta fase, as adversidades gestacionais se fazem presentes e desmotivam, ao ponto de se querer interromper o processo e deixar, para uma outra ocasião, o sonho de ver seu rebento sendo levado de mãos em mãos, admirado, acarinhado e elogiado por ter o rosto bonito e o corpo perfeito.

Porém, a etapa mais difícil do parto é quando, após o último exame dos profissionais – escritor, diagramador, revisor e conselho editorial para aprovação da obra – o orçamento da maternidade é pedido, para a realização do nascimento. Aí o entojo volta lá dos seus três primeiros meses e o abuso absorve o desejo, e os dois dão as caras com gosto de gás! É que ainda é muito caro ter um filho literário por aqui. Os preços das fraldas são indexados ao dólar, aí já viu, né? ... E nem todo pai literário consegue custear, sozinho, a materialização de seus desejos.

E é neste ponto também que, unindo a carestia do parto com a falta de patrocínios – dos órgãos de cultura e da iniciativa privada –, principalmente para quem é autor desconhecido, que se instala uma espécie de eclampsia que pode chegar até, infelizmente, a interrupção do parto; ou, se prosseguir, a uma parada cardiovascular com sérios riscos de terminar em cartório com a certidão de nascimento protestada.

Enfim, eu me encontro entre o prelo da impressão e o cabide de espera, mas convicto de que vale a pena sair procurando maternidades com leitos mais baratos – não em dólar, mas no valor real de nossas posses – e de médicos que ajudem a fazer este parto, investindo seus conhecimentos em cotas com possíveis retornos promocionais às suas condições profissionais.

Até, pois, ao parto e ao chá de bebê.
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 22/10/2019
Código do texto: T6776240
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