A mentira tem pernas nuas
Se a verdade é nua e crua, por tantas vezes ela cruza com a mentira, que tem pernas curtas, que se fundem, ou incorporam, uma um fragmento da outra, e transbordam os respectivos conceitos.
Quantas vezes, viajando com uma amiga, eu cantarolando baixinho, um antigo sucesso estrangeiro, e quando chegava o momento da letra, em que eu sabia, não o significado, mas falar aquele trecho em outro idioma, eu sempre aumentava o volume, The shadow of your smile, passando a impressão de conhecer toda a letra em inglês.
Por vezes a mentira ganha o tom de cumplicidade... um amigo, com uma nota de 100 reais rasgada, e faltando uma parte, querendo se livrar dela, paga o pedágio, com a cédula dobrada, e se “surpreende” quando a verdade vem à tona; aí, fatalmente, arrasta quem está ao lado: Ele viu que eu acabei de retirar este dinheiro em um caixa eletrônico, e me chegou exatamente assim. E assim, também, somos transformados em reforço de álibi, sem que nos fosse pedida uma prévia autorização para participar daquele pequeno embuste.
Para dar maior veracidade a aquilo que contamos, envolvemos pessoas próximas, da família, e o fato narrado ganha nuances de coisa acontecida: Sim, um primo meu estava lá, e viu quando ele sacou da arma, e disparou por três vezes.
Se você conseguiu deter o seu carro a cinco metros do iminente acidente, a narrativa perde toda a emoção pretendida, então você pisa no freio, com maior intensidade, e para a centímetros do grande desfecho; alcançando um frio na barriga de quem ouve a história.
Leu Quando Nietzsche chorou e fala como se tivesse feito terapia com Freud, ou ter sido .mentora intelectual de Nietzsche; recebe um cartão postal do Rio de Janeiro e passa falar com sotaque carioca; acerta a centena no jogo do bicho e se diz Nostradamus.
Essas pequenas adaptações à verdade não causam desvios éticos, não deformam o perfil do caráter, mas mostram, claramente, que as pernas têm verdades cruas