Magrela

Semana passada, após 8 anos sem pedalar, fiz o trajeto de casa para o local do meu treino funcional de bike. A distância é mais ou menos 3 km e sim, eu fui, treinei e voltei de bike, coisa que meu cunhado garantiu que eu não conseguiria. Gostei tanto que fiz o restante da semana assim e essa semana novamente irei pedalando.

A novidade não é pedalar após 8 anos sem realizar essa atividade. A novidade é sair de bike por um local onde comumente passo sempre dirigindo tão apressada que não valorizo e na verdade nem vejo nada além do asfalto e dos pedestres que muitas vezes atravessam fora da faixa.

Pedalar me deu uma sensação tão boa de liberdade, muito maior do que a que eu tinha quando andava de moto. Sentir o vento no rosto e a segurança de não estar em alta velocidade realmente não têm preço. Como pude ter passado tanto tempo sem isso?

E é impressionante como as pessoas estão acostumadas à nossa rotina! Como me vêem ou passando á pé pelo centro da cidade pequena que moro, ou de carro perto da escola, muitas pessoas conhecidas passaram por mim sem notarem que era eu, e eu me diverti com isso. Me sentir invisível passando por pessoas que vejo quase todos os dias é bastante interessante. A expressão que um conhecido faz ao me ver e a expressão que faz para um "desconhecido" rendem um bom "meme".

Mas ainda não é nesse ponto que quero chegar. Quero refletir sobre o quanto temos corrido, sobre o quanto estamos deixando de fazer coisas simples por falta de tempo. E isso serve pra mim. Na verdade tudo que escrevo é sem pretensão nenhuma de ensinar algo, mas pura e simplesmente para tentar entender o que se passa dentro de mim. E dentro de mim, enquanto pedalava, passou uma reflexão sobre o quanto tenho corrido, o quanto tenho passado rápido demais pelos lugares, pelas pessoas e até pelos acontecimentos. O quanto me falta tempo para uma prosa na praça da cidade ( coisa que eu geralmente fazia após a missa aos domingos), o quanto me falta tempo inclusive para ir à igreja, para conversar com um amigo sem que pra isso precise ligar meu smartphone que, olha a ironia, foi criado para fazer coisas mais rapidamente e assim me proporcionar "tempo livre".

Enviamos e recebemos emails mais rápidos do que nunca, nos conectamos numa velocidade incrível, sabemos das notícias praticamente no momento em que acontecem, temos o mundo na palma das mãos à distância de um toque na tela. Imagino que se fosse no passado, eu usaria essa praticidade pra chamar rápido a galera da adolescência para o jogo de baralho, para conversar no portão ou para cantar desafinado enquanto alguém da turma arriscava umas notas no violão. Hoje, com tanta facilidade me falta tempo. Me falta tempo e me sobra trabalho, me sobra estudos, me sobra compromissos chatos e me falta compromissos bons, daqueles que trazem paz à alma e leveza no coração.

Enquanto não termino meus compromissos chatos com estudos e trabalhos, sigo usando o Smartphone para não deixar que meus amigos se esqueçam de mim e para marcar duas ou três vezes no ano um encontro em algum bar por aí para dar risadas e conversar trivialidades.

Enquanto não consigo mais tempo para fazer mais disso, continuarei usando a "magrela" para ir e voltar do treino e refletir mais, sentir mais o vento no rosto, observar mais a paisagem dessa cidadezinha que embora pequena, carrega em todas as suas ruas tantas memórias lindas, grandiosas. São emoções que certamente não estão registradas em selfies por aí, mas apenas e não menos importante, estão registradas no coração de alguém que um dia não tinha a facilidade de comunicação que têm hoje, mas que tinha mais tempo para mais encontros, desses que trazem paz para a alma e leveza para o coração!

Eciane
Enviado por Eciane em 21/10/2019
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