O Menino Valdomiro
Eu tinha 19 anos e era professora na comunidade do Bonfim, no interior de Independência, Rio Grande do Sul. Pela distância, decidi morar na comunidade. Uma das famílias me acolheu no primeiro semestre do ano e outra no segundo.
Eu não tinha graduação para lecionar, mas havia participado de treinamentos no município e aprendido coisas novas para a época - dar aula sem repartir a turma em séries, mas como se fosse uma só (eu tinha turmas multisseriadas - alfabetização e segundo ano). Também recebi material de minha cunhada que toda vida trabalhou com alfabetização.
Entre tudo que havia para fazer na escola (tinha de cozinhar a merenda, deixar a escola como a recebia da professora do outro turno) fui implantando o que aprendia nos treinamentos. Lembro que uma das atividades era fazer os estudantes viverem as histórias contadas (irem representando os personagens e ações no momento em que ouviam). Eu adorava inventar as próprias histórias para eles vivenciarem. Era maravilhoso.
No treinamento, a Secretária de Educação da época, havia falado da importância em interagir com a família do estudante. Por isso, decidi participar das festas e cerimônias religiosas da comunidade e nos finais de semana ou à noite visitava os agricultores locais, principalmente as famílias dos meus alunos.
Entre essas famílias havia uma que, logo de início, visitava mais amiúde. Um dos filhos, Valdomiro (9 anos), não falava na escola, não lia. Era mudo. No entanto ouvira que em casa ele falava.
O pai relatou que quando ele tinha 7 anos foi levá-lo para o primeiro dia de aula. Chegando perto, Valdomiro parou de falar e nunca mais abriu a boca na escola. Já haviam se passado três anos e ele mudo. No entanto, segundo os pais, em casa, ele mesmo fazia as tarefas e lia em voz alta.
Levei o caso para a Secretária de Educação e sob sua orientação iniciei visitas domiciliares duas vezes na semana. As orientações eram simples - não forçar a barra, interagir com os pais, mas sempre incluindo o menino nas conversas.
Com o tempo ele foi se acostumando com a minha presença. Um dia, inesperado, ele falou. Foi um momento mágico. Havia um barulho no mato, de motosserra. Pedi à mãe, Rosalina, quem estava cortando com a motosserra e foi ele, Valdomiro, quem respondeu: "o pai", ele disse, pálido. Apesar do susto em ouvir sua voz, da felicidade que sentia, da vontade de abraçar e rodar com ele no céu, segui conversando normalmente. Depois desse dia, Valdomiro iniciou a falar comigo em casa. Mostrava os cadernos e livros e lia em voz alta pra mim.
Mais tarde, por orientação da Secretária de Educação, enquanto os demais estudantes faziam outras atividades, eu o chamava numa sala adjacente à de aula e lá ele lia e conversava comigo, me explicava as tarefas e contava das coisas de casa.
O tempo passou e Valdomiro começou a falar na sala de aula com os colegas de turma, mais tarde na escola, com estudantes do terceiro e quarto ano. Falava tanto que todos se espantavam de ele ter passado tanto tempo completamente mudo.
Nunca parei de visitar a casa do Valdomiro (tenho vivências lindas com essa família que relatarei em outro momento).
Com o tempo ele participava de todas as atividades em sala de aula, conversava e interagia com todos seus colegas e comunidade. A vida escolar do Valdomiro se transformou e a minha também. Nasceu o sonho (que só pude começar a realizar depois de 2009 - aos 40 anos) de um dia estudar e dar aula (hoje na graduação).
Nesses 30 anos nunca parei de visitar a Bonfim. A maioria das famílias foi embora da comunidade. Agricultores com mais posses compraram suas terras e eles partiram. No entanto, fiz amigos queridos que ainda residem lá (Dona Teresa Bonfim e sua querida família) e quando vou ao Rio Grande, dar uma passadinha na Bonfim faz parte da minha agenda de férias.
Não sei muita coisa do Valdomiro. Seu pai faleceu e Rosalina não mora mais lá. O menino virou homem, agricultor, casou e hoje não mora mais na comunidade. Um dia queria poder lhe dar um abraço. E lhe contar que foi ali, com 19 anos e na vivência com ele, que comecei a alimentar o sonho de ser professora..
Entre tudo que havia para fazer na escola (tinha de cozinhar a merenda, deixar a escola como a recebia da professora do outro turno) fui implantando o que aprendia nos treinamentos. Lembro que uma das atividades era fazer os estudantes viverem as histórias contadas (irem representando os personagens e ações no momento em que ouviam). Eu adorava inventar as próprias histórias para eles vivenciarem. Era maravilhoso.
No treinamento, a Secretária de Educação da época, havia falado da importância em interagir com a família do estudante. Por isso, decidi participar das festas e cerimônias religiosas da comunidade e nos finais de semana ou à noite visitava os agricultores locais, principalmente as famílias dos meus alunos.
Entre essas famílias havia uma que, logo de início, visitava mais amiúde. Um dos filhos, Valdomiro (9 anos), não falava na escola, não lia. Era mudo. No entanto ouvira que em casa ele falava.
O pai relatou que quando ele tinha 7 anos foi levá-lo para o primeiro dia de aula. Chegando perto, Valdomiro parou de falar e nunca mais abriu a boca na escola. Já haviam se passado três anos e ele mudo. No entanto, segundo os pais, em casa, ele mesmo fazia as tarefas e lia em voz alta.
Levei o caso para a Secretária de Educação e sob sua orientação iniciei visitas domiciliares duas vezes na semana. As orientações eram simples - não forçar a barra, interagir com os pais, mas sempre incluindo o menino nas conversas.
Com o tempo ele foi se acostumando com a minha presença. Um dia, inesperado, ele falou. Foi um momento mágico. Havia um barulho no mato, de motosserra. Pedi à mãe, Rosalina, quem estava cortando com a motosserra e foi ele, Valdomiro, quem respondeu: "o pai", ele disse, pálido. Apesar do susto em ouvir sua voz, da felicidade que sentia, da vontade de abraçar e rodar com ele no céu, segui conversando normalmente. Depois desse dia, Valdomiro iniciou a falar comigo em casa. Mostrava os cadernos e livros e lia em voz alta pra mim.
Mais tarde, por orientação da Secretária de Educação, enquanto os demais estudantes faziam outras atividades, eu o chamava numa sala adjacente à de aula e lá ele lia e conversava comigo, me explicava as tarefas e contava das coisas de casa.
O tempo passou e Valdomiro começou a falar na sala de aula com os colegas de turma, mais tarde na escola, com estudantes do terceiro e quarto ano. Falava tanto que todos se espantavam de ele ter passado tanto tempo completamente mudo.
Nunca parei de visitar a casa do Valdomiro (tenho vivências lindas com essa família que relatarei em outro momento).
Com o tempo ele participava de todas as atividades em sala de aula, conversava e interagia com todos seus colegas e comunidade. A vida escolar do Valdomiro se transformou e a minha também. Nasceu o sonho (que só pude começar a realizar depois de 2009 - aos 40 anos) de um dia estudar e dar aula (hoje na graduação).
Nesses 30 anos nunca parei de visitar a Bonfim. A maioria das famílias foi embora da comunidade. Agricultores com mais posses compraram suas terras e eles partiram. No entanto, fiz amigos queridos que ainda residem lá (Dona Teresa Bonfim e sua querida família) e quando vou ao Rio Grande, dar uma passadinha na Bonfim faz parte da minha agenda de férias.
Não sei muita coisa do Valdomiro. Seu pai faleceu e Rosalina não mora mais lá. O menino virou homem, agricultor, casou e hoje não mora mais na comunidade. Um dia queria poder lhe dar um abraço. E lhe contar que foi ali, com 19 anos e na vivência com ele, que comecei a alimentar o sonho de ser professora..