NAS RUAS DA MINHA SOLIDÃO

Caminhando, nas ruas da minha solidão, a relembrar essas mesmas ruas abandonadas pela incompreensão existencial de muitos que só passam e não lhe dão a devida vista. Sempre por elas passo e sempre que posso me destino por suas veredas a encontrar aquilo que ainda não observei: um detalhe no muro, uma antiga característica ainda resistente em meio a tantas mudanças e transformações hodiernas.

Talvez, a cada dia que passa, ficamos avessos ao hoje e a tudo que ele entulha com sua cruel e "desumana" passagem.

Nas ruas, há sempre mais detalhes a serem notados, mas o que me importa é ver existindo algo que me devolve a um momento que se foi, que me transporta à tenra infância e a seu ambiente manso.

Num ponto, na esquina de uma rua, atrás da avenida Acre, recordo de quando vinha com meu irmão do Jardim de infância. Corríamos na frente de nosso pai e apertávamos a campainha de um casarão, naquele tempo rosado, e disparávamos exultantes com a peripécia.

As ruas parecem não ter tanto a me dizer e me debato sem razão, pois o que há de me dizer o concreto construído e destruído pela ação do homem? Penso que ela me faz de palhaço, por esconder meu brinquedo, por não emitir nenhum som inteligível. Só o vento, só os carros e a confusão da qual quero fugir. Será só isso que tem a me dar? Não pode ser!

Andar é espairecer, e só o andar perdidamente, sem rumo - como fazia enes vezes quando era um reles adolescente sonhando com a "independência", sonhando com tantas coisas que só cabiam mesmo na minha imaginação - tem me acalmado.

Tudo aquilo, o ato de andar pelas ruas, era o meu único momento de liberdade, o instante em que era e sou livre com a simples ativação de meus pés que pareciam agitar meu pensamento. Sim, é isso! Os pés apressaram meu pensar, meus diálogos solitários. Como se estivesse resolvendo o mundo.

As ruas nada tem a me dizer, nada que eu não possa "roubar" delas, nada que não possa inquirí-las.

_E você parede, parede da minha escola, o que tens a me lembrar? Elas são tão sós quanto eu que caminho! Ao menos eu tenho meus pés e elas são imóveis, sem voz e sem ouvintes que lhe possam entender os testemunhos. Somos nós que temos captar as mensagens de suas "vivências".

A brisa, o chão que antes nem era asfaltado, hoje sufocado pela modernidade, as casas antigas em meio às modernas, nascidas sobre os escombros das antigas que foram pulverizadas de todas as suas memórias, seus amores, seus crimes.

Andando pelas ruas e pensando como um louco na hora que os loucos andam - e para isso não há hora - pois só com a loucura se chega a algum lugar. Só a loucura quebra paredes de concreto e, com ela, voamos para além das barreiras paisagísticas das ruas sem voz.

06 de Outubro de 2019.