Por: Damião Ramos Cavalcanti
Domingo, 13 de Abril de 2008 - 09h00
Sobre o meu recém-nascido neto Davi


                     A perda do vitorioso Davi

         No dia cinco de abril, foi embora meu querido neto, Davi. Com fé, resignei-me ante as manifestações de que houve a intervenção divina: do avô Carlos Alberto, que tanto escuta como é escutado por Deus, e da minha filha, que dilacerava meu coração, ao balbuciar, repetidamente, com todo fervor: “- Faça, Senhor, faça bater o coração de Davi.” O pedido era de mãe, mais forte e insistente do que o de Marta pelo irmão Lázaro.
       Imaginei, como é tão peculiar aos avós, prometer a Davi todas as concessões; permitiria suas peraltices: enfiar o dedo no bolo; lambuzar-se de brigadeiro e, até mesmo, depois do banho, sentar no chão, sujar a roupa branca; subir nas árvores do meu quintal, com suas primas e primos, para brincar, colhendo frutas ainda verdes. Enfim, dir-lhe-ia que aqui é bom.  Mas Davi preferiu subir nos galhos das árvores muito mais altas, onde os frutos verdejam e amadurecem, nas quatro estações, atendendo o desejo de quem os colhe. Na analogia do poeta libanês Khalil Gibran, filhos e filhas, ao saírem dos seus lares, são flechas que se desprendem dos pais, os arcos. Davi foi mais longe. Voou mais alto do que Ícaro, rindo das minhas concessões, atirou-se na imensidão do infinito, onde gozará da verdadeira e perfeita liberdade.
       Em sua curta vida, da gestação até os três dias após o nascimento, disse-nos, sem falar, coisas que, ainda hoje, nos transformam. A primeira mensagem foi a da absoluta existência do amor, particularizado nos seus pais Beto e Deborah; nos seus avós Carlos Alberto e Damião, Simone e Maria Luiza; nos tios, tias, primos e primas, nos bisavós Walter, Cleonice e Maria José. Diz-se que a dor da perda de alguém é maior conforme a duração da convivência. Mas Davi nos revelou que se sofre muito mais pela intensidade do amor que se vivenciou.
       Desde sua gestação, desejamos muito que ele viesse e vivesse entre nós. Daí, a segunda mensagem, a do valor da vida. Por que ser alheio aos cuidados dos nossos próprios corpos? Por que ser indiferente ao cruel e desumano ato de se tirar a vida do outro?  A banalização desses valores vem conferindo a esses atos feição de normalidade. O quotidiano noticia requintes de perversidade, que tornam rotineiro o ato de assassinar. Pior. Até para atos de bondade, compram-se imitações do crime: armas, filmes e games são oferecidos como presentes às crianças para brincarem de violência. O menino brinca daquilo que faz o adulto...
       O terceiro recado deixado por Davi é que cada um de nós nasce sendo mensagem de Deus. Há os que assim são e existem indiferentes a essa condição. Os que são conscientes vão e ensinam o dom da profecia, anunciando a Boa Nova. Mesmo os inconscientes, a exemplo de Davi, expressam uma mensagem fecunda. Impulsionados pela própria Mensagem, brotam no pedregulho como se fossem semente num terreno fértil.
       Foi embora Davi. Pouco durou o seu convívio conosco. No entanto, encheu os nossos corações de alegria, tristeza, amor, sofrimento e conforto. Encheu-nos, sobretudo, de confiança nos desígnios da Providência.  Se compreendesse esses mistérios, faria tudo para que Davi voltasse.