No coletivo
Ao subir no ônibus, Álvaro já percebe a superlotação e fica na parte da frente. De imediato, nota duas crianças sentadas em uma só cadeira. Elas aparentavam oito anos de idade, cabelos oleosos, roupas surradas, pernas à mostra com marcas de cicatrizes, as mãos sujas compartilhavam uma rapadura. No chão do transporte coletivo, havia duas sacolas que, mais tarde, ele pôde ver que eram blocos de queijo, três grandes pedaços em cada uma.
Álvaro observava aquelas inocentes criaturas de Deus, perguntando-se de onde viriam, onde estariam seus pais, que futuro teriam. Enquanto isso, do outro lado da catraca, via dois malandros, já imaginando qualquer movimento suspeito. O medo de um possível assalto o afligia. Ele não tinha medo da morte, apenas da dor, da dor, da dor e da dor... a do momento, talvez uma que durasse tanto antes dela, a que os outros poderiam ter e quem sabe a de depois dela. Inferno ou purgatório?
Via também uma senhora idosa que tentava se equilibrar com as compras e quase caía com uma curva brusca. Alguém, vendo o episódio, cedia-lhe o assento. Outra tentava pedir parada, porém não conseguia porque sua baixa estatura não permitia... algum sujeito de bom coração e de altura mais elevada fazia-lhe o favor. Ela sorriu, agradecendo. Um velho cochilava. Uma jovem ouvia música no celular e os outros que estavam perto, também escutavam a mesma bobagem. Um bebê dormia nos braços da mãe no calor infernal que fazia. O motorista acelerava...
Do outro lado da janela, o povo transitava, as calçadas e ruas repletas de lixo, alguém de dentro jogava uma garrafa de água, somando mais uma embalagem a tantas outras que havia nas vias. Um odor de esgoto era sentido por Álvaro, em seguida cheiro de comida gostosa.
Chega ao terminal de ônibus e ele descia. Sua preocupação de outrora com as crianças da frente ia junto na viagem delas, que seguia. Aonde iriam? Teriam tomado café da manhã? Será que aquela rapadura seria sua primeira refeição? Onde teriam achado aquele alimento?